Aumento da Pobreza

'Ainda bem que é só nós dois; imagina se a gente tivesse filho', diz desempregado

Morando em uma casa de compensado e PVC, o casal Diego Palheta e Elcy Freitas lutam para fugir da fome; situação parecida com a de mais da metade da população do Estado

Karol Rocha
10/07/2022 às 09:29.
Atualizado em 10/07/2022 às 09:29

Diego Palheta Moreira, de 33 anos, e Elcy Freitas, de 37 anos, vivem na comunidade da Fé 3, bairro Colônia Antônio Aleixo, Zona Leste de Manaus (Foto: Junio Matos)

É em uma casa de apenas um cômodo, feita de compensado, que vivem Diego Palheta Moreira, de 33 anos, e Elcy Freitas, de 37 anos, na comunidade da Fé 3, bairro Colônia Antônio Aleixo, Zona Leste de Manaus. Ambos desempregados, o casal sente na pele as dificuldades do que é viver com pouca ou quase nenhuma renda.

Recebendo um Auxílio Brasil no valor de R$ 400, os dois contam que a prioridade é colocar alimento na mesa. E se sobrar algo, eles compram sandálias e miçangas para customizar e ser uma opção de renda.

"Trabalho está difícil e ainda bem que é só nós dois, imagina se a gente tivesse filho? O auxílio tem sido a nossa única fonte de renda, é o modo como levamos a vida", relata Diego Moreira.


Diego Moreira busca complementar o que ganha do Auxílio Brasil comprando sandálias e miçangas para customizar e ser uma opção de renda (Foto: Junio Matos)

 Diego e Elcy vendem chinelos bordados com miçangas. Segundo ele, uma sandália vendida já significa muito para o casal, que pode conseguir até R$ 30 reais. "Graças a Deus, ele nos abençoa e até agora não deixou faltar comida, mas se fosse depender de tomar um café bom e ter um almoço como nós ‘quer’, já não dá”. 

Por priorizarem a alimentação, a pouca renda não permite ao casal sonhar muito com o futuro, mas o desejo de ambos é aumentar a casa. “Como que nós vamos receber nossa família com só um cômodo com uma cama e uma rede? A gente quer fazer uma casa de alvenaria”, afirma Diego Palheta, que mostra à reportagem a parede da casa levantada com material de PVC.

Realidade amazonense

A realidade do casal é a mesma para milhares de amazonenses que estão à beira da extrema pobreza. Para se ter ideia, o Amazonas é o segundo estado brasileiro com maior número de pessoas vivendo nesta situação, conforme o levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas Social, divulgado no mês de junho deste ano e intitulado 'Mapa da Nova Pobreza'.

O Estado que possui quase quatro milhões de habitantes fica abaixo apenas do Maranhão, que tem a maior proporção de pobres no Brasil (57,90%). Em números, o contingente de pessoas com renda domiciliar per capita até 497 reais mensais é de 51,42% da população total no Amazonas em 2021. Em 2012, o nível de pobreza era menor no Estado que ocupava o décimo lugar no índice com 45,39%.

De modo geral, a pobreza atingiu 62,9 milhões de brasileiros em 2021, cerca de 29,6% da população total do país. Este número de 2021 corresponde a 9,6 milhões a mais que em 2019, quase um Portugal de novos pobres surgidos ao longo da pandemia. O levantamento e os dados foram analisados pelo diretor do FGV Social, o economista Marcelo Neri.

Modelo econômico

De acordo com o sociólogo, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará – UFPA, Francinézio Amaral, a pobreza é entendida como um fenômeno social determinado pela falta de condições adequadas da produção e reprodução da vida material imposta pela desigualdade social típica da concentração de riquezas e dos conflitos entre as classes que são características do capitalismo. 

“Ou seja, nesse modelo de sociedade, sempre haverá um pequeno grupo de pessoas muito ricas e um grande grupo de pessoas muito pobres, pois para que uns poucos concentrem a riqueza, muitos não terão acesso às condições básicas de sobrevivência, sempre”, disse. 

Conforme o especialista, um dos principais problemas que geram a pobreza no Brasil é o resultado direto da aceitação, por parte dos governantes, da condição de subalternidade política e econômica a que o país foi submetido ao aderir ao modelo de desenvolvimento hegemônico imposto pelos países de capitalismo central. 

“O país adotou um modelo de desenvolvimento pautado na dependência econômica, que não aproveita as suas potencialidades de geração de riquezas em prol da população, pois está comprometido com os interesses econômicos externos”, comenta o sociólogo, que exemplifica: 

“Um exemplo desse processo é o pouco investimento feito na geração de ciência e tecnologia no país que possa tornar o Brasil mais competitivo na relações econômicas globalizadas. Outro exemplo que decorre dessa lógica capitalista está ligado ao agronegócio. Os produtores preferem vender para outros países e obter maiores lucros, do que vender mais barato para a nossa população, que acaba consumindo produtos de qualidade inferior e, como vemos nesse momento, são jogados na extrema pobreza, na insegurança alimentar e na fome”. 

Em relação a Manaus, o sociólogo aponta que o problema tem relação com a expansão urbana da capital amazonense que se deu sem o mínimo de planejamento. 

“E com a quase total ausência do poder público, refletida nas sucessivas gestões que, até hoje, não priorizam políticas públicas estruturada, especialmente em relação à habitação, saneamento básico e mobilidade urbana e isso, associado aos altos índices de desemprego, reflete diretamente nos índices de pobreza da população”. 

Uma possível solução para o problema da pobreza, conforme o estudioso, é a criação de políticas públicas pautadas nos conhecimentos científicos que possibilitem novas formas de organização da sociedade. Segundo ele, auxílios governamentais e distribuição de renda devem sempre ser entendidos como ações emergenciais e não como solução definitiva para combater a pobreza.

“É fato que o atual modelo de sociedade, pautado no capitalismo, há muito tempo já mostra que não é mais capaz de atender às demandas da sociedade. É um processo de médio longo prazo mas que, quanto mais se demora a iniciar, mais a pobreza vai continuar levando sofrimento para a população”, finalizou Francinézio Amaral. 

Respostas  

Como resposta aos dados coletados pela reportagem, o governo do Amazonas afirmou, em nota, que vem ampliando o programa de combate à fome e de forma inédita, criou o Auxílio Estadual Permanente para beneficiar famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. 

“É o maior programa de transferência de renda do Estado e alcança 300 mil famílias, com o pagamento de um auxílio mensal de R$ 150. Em outra iniciativa para levar comida para pessoas em situação de insegurança alimentar, o governo expandiu o programa Prato Cheio, que saiu de sete para 33 unidades que servem refeições. Com essa iniciativa, o governo estadual é capaz de atender 13,2 mil pessoas que precisam se alimentar diariamente”, disse o Estado ao A Crítica. 

A Prefeitura de Manaus afirmou que realiza diversas ações para combater a pobreza e fome na capital do Amazonas, entre elas: o Auxílio Aluguel Operação Cheia 2022; o Auxílio Aluguel em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências; ações de segurança alimentar e nutricional com as seis cozinhas comunitárias, dois restaurantes populares e um Prato do Povo; O Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP). 

Além disso, acrescentou o aumento no número de cadastradores e mutirões do Cadastro Único, que conforme a Prefeitura de Manaus, aproximadamente 200 mil pessoas são beneficiárias do Programa Auxílio Brasil na capital; Benefício de Prestação Continuada (BPC); Projeto Passaporte para a Inclusão Social; Albergue Municipal de Manaus Gecilda Albano Peçanha que possui 42 acolhidos; Serviço de Acolhimento Institucional Amine Daou Lindoso – SAI Amine Daou Lindoso, além atuações no Fluxo Migratório na capital amazonense.

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