INSEGURANÇA

"Ao sair, a gente faz uma oração para continuar vivo", relata motorista de ônibus em Manaus

Assaltos diários ao transporte coletivo fazem os motoristas não saberem se vão chegar em casa na capital amazonense, onde uma média de 4 assaltos a ônibus são registrados diariamente

Joana Queiroz e Lucas Vasconcelos
25/04/2022 às 08:56.
Atualizado em 25/04/2022 às 09:04

O motorista da linha 215, Roberto Lima da Silva, relata que já foi assaltado em abril (Foto: Gilson Mello)

Manaus tem em média quatro assaltos a ônibus por dia. Nos três primeiros meses deste ano, foram registrados 429 casos, conforme dados do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Amazonas (Sinetram).

O medo de sair para trabalhar e não retornar para casa faz parte da rotina dos trabalhadores do sistema coletivo. “Ao sair, a gente faz uma oração entregando o nosso dia para Deus e, caso aconteça algo, procuramos não reagir para continuar vivo”, diz o motorista Éder Souza Lopes, de 35 anos de idade, 18 deles somente como motorista de ônibus. Somente em 2022, Éder já foi assaltado três vezes.

Roberto Lima da Silva, 42, é motorista do ônibus linha 215. O mais recente assalto  que sofreu foi na quinta-feira do dia 12 de abril. De acordo com ele, o assaltante entrou no ônibus em uma parada na avenida Rodrigo Otávio e estava armado com um terçado.  

“Ele anunciou o assalto, tomou os pertences dos passageiros, pegou a renda e ainda deu duas ‘lapadas’ com o terçado nas costas do meu parceiro”, contou Roberto.


Pelo menos quatro ônibus do transporte público coletivo são assaltados todos os dias em Manaus (Foto: Gilson Mello)

Rotina do medo

 Motoristas trabalham preocupados com a própria segurança e têm a atenção dobrada para quem está entrando no ônibus. “Às vezes a gente consegue identificar um assaltante pelo comportamento dele”, disse Éder.

De acordo com o motorista, geralmente o assaltante aparenta nervosismo, tem a atenção voltada para o motorista e o cobrador. A dica dos profissionais é procurar manter a calma e obedecer às ordens do criminoso.

“O difícil é continuar trabalhando depois de ter sido assaltado, ter uma pistola encostada na cabeça”, afirma Roberto Neves, vítima de três assaltos a ônibus neste ano.

“Diante da ameaça, a gente congela e só depois de algum tempo a gente volta a si, pois temos que trabalhar”, desabafou o motorista.

Ernesto Queiroz foi assaltado no dia 12 de abril, também na Rodrigo Otávio. Para ele e os colegas, deveria haver mais barreiras policiais nas vias por onde os os ônibus com passageiros  trafegam. Ele também pede que os roubos sejam melhor investigados. “Isso iria inibir mais a ação dos criminosos”.


429 casos de assaltos a ônibus coletivo foram registrados pelo Sinetram nos três primeiros meses do ano, uma média de quatro assaltos por dia (Foto: Gilson Mello)

Reuniões

 Na manhã do dia 18 de abril, a Secretaria Executiva Adjunta de Planejamento e Gestão Integrada (Seagi) reuniu com representantes das empresas do transporte coletivo de Manaus para discutir estratégias que possam coibir delitos e dar mais segurança aos trabalhadores e usuários. 

Segundo o titular da Secretaria Executiva Adjunta de Operações (Seaop), coronel Cledemir Silva, durante a reunião foram alinhadas estratégias para combater os crimes no transporte coletivo. 

“Conversamos também sobre uma nova estratégia para que nós possamos dar suporte imediato quando aquela rota de ônibus for desviada por motivo criminoso ou algum outro motivo que será identificado posteriormente”, disse o coronel.

Rotina perigosa

O estudante de engenharia da computação, Daniel Silva, conta que o sentimento de alerta já faz parte de sua rotina.  Para ele, que estuda à noite na Universidade Federal do Amazonas, o trajeto de volta para sua casa, localizada no bairro Compensa, é sempre perigoso.

“Eu estudo a noite não é? O perigo já começa na parada da Ufam que é totalmente deserta. Pego um ônibus em direção ao Centro e depois pego outro para ir pra minha casa. Nesse trajeto, os ônibus vêm vazios. E, durante esses três anos estudando à noite, já fui assaltado duas vezes no ônibus”, comentou.

Daniel comenta ainda que registrou os boletins de ocorrência (BOs) constatando o fato. Porém, acredita que isso não é o suficiente.

“Eu acho que os ônibus deveriam ter câmeras que não fazem apenas o reconhecimento facial dos passageiros. Mas o Sinetram deveria ampliar esse sistema de monitoramento”, destacou.

Manaus sem planejamento

Para o consultor e especialista em análise e segurança pública, Walter Cruz, a capital amazonense não possui um planejamento estratégico que vise a segurança pública.

“O sistema de segurança pública hoje do estado está em convulsão não é? Nós estamos tendo aí uma série de eventos que estão mostrando pra sociedade que nós não temos, na verdade, um planejamento efetivo da segurança. Primeiro lugar porque você não vê na verdade um plano de segurança, né? Algo que seja factível para mostrar para tanto para os entes do sistema, Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Detran. A questão dos roubos do transporte coletivo é um bom exemplo dessa falta de segurança”.

O especialista destaca que uma das soluções que podem ser tomadas pelo poder público é investimento em uma rede com outros sistemas de transporte.

“Penso que primeiro deve haver um amplo debate, não só com o Sinetram, como também com os outros sistemas de transporte e aí você sabe que nós temos aí transporte alternativo, o transporte executivo. Temos também a questão dos aplicativos, os sistemas, não é? E há necessidade de se fazer um debate. O que fazer e como fazer? Posteriormente você pode aí sim empregar as ferramentas. Penso que dentre elas que estão aí primeiro a questão do monitoramento das vias, não há monitoramento dos corredores onde os ônibus passam”, destacou.

Outra solução, segundo Walter Cruz, é a implementação de botões de pânico que sejam interligados com a Polícia Militar.

“A implementação dos botões de pânico nos ônibus em parceria com a Central Integrada de Comando e Controle (CICC) é uma boa solução pra resolver esse problema. Os usuário teriam a possibilidade de ligar diretamente para a central avisando sobre o assalto”, acrescentou.
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