Preconceito

Artista é vítima de capacitismo em supermercado de Manaus

Ananda Guimarães, portadora de deficiência visual, foi constrangida por estar na fila preferencial do estabelecimento comercial

Karol Rocha
29/05/2022 às 08:27.
Atualizado em 29/05/2022 às 08:27

Artista Ananda Guimarães denunciou nas redes sociais que foi vítima de capacitismo em um supermercado de Manaus (Foto: perfil da artista no Instagram)

A artista amazonense Ananda Guimarães, 25 anos, passou por momentos constrangedores dentro de um supermercado de Manaus. Ela foi vítima de capacitismo que nada mais é de que o preconceito contra a pessoa com deficiência, com comportamento que subestima, diminui o indivíduo em razão da deficiência que possui.

Ananda é portadora da doença de Stargardt, uma degeneração da mácula com perda de visão progressiva. A gravidade varia de paciente para paciente e não possui um tratamento ou um remédio que possa curá-la. Segundo a jovem, ela estava em uma fila preferencial de um supermercado quando foi atacada por um homem que questionava a sua deficiência. 

“Esse homem se achou no direito de questionar pra mim o porquê de eu estar na fila. Mostrei meu documento e ele começou a ser grosseiro e falar coisas como: ‘como ela é deficiente se tá olhando pra minha cara?’, ‘tá usando disso pra utilizar o caixa’”, contou ela, em seu Instagram pessoal.

Ananda Guimarães explica que o primeiro sintoma da doença veio aos 16 anos, quando estava no Ensino Médio. Naquele momento, a sua visão escureceu e posteriormente, um borrão ocupou sua vista. Na faculdade de artes cênicas, as brincadeiras em relação a sua condição pioraram. Hoje em dia, ela conta que precisa conviver com o preconceito todos os dias. 

“Na minha condição, eu não enxergo o meio, o centro. Eu costumo não enxergar rosto, coisas escritas, eu consigo ver silhueta, mas tudo o que está na minha frente eu não consigo enxergar. Eu não consigo enxergar mesmo usando óculos. Com o óculos mesmo no grau alto, as pessoas pensam que ajuda na minha condição, mas não, a minha deficiência independe do meu óculos”, comentou. 

“As pessoas não aceitam a minha corporeidade. Se eu estou mexendo no meu celular que tem recursos de letra grande e mesmo precisando eu colocar o telefone na minha cara, as pessoas se incomodam. Elas começam a vir muito agressivas dizendo: 'Esse óculos fundo de garrafa não serve para nada?', 'Meu deus, você vai ficar cega se olhar assim', sem saber por que meu corpo é assim e isso acontece frequentemente”.

Capacitismo é crime

O capacitismo é qualquer atitude que discrimina PcDs, através de termos e expressões que são consideradas pejorativas. A deficiência pode ser física, auditiva, visual, mental e psicossocial. A conduta criminosa está tipificada e prevista no art. 88 da Lei Brasileira da Inclusão (Lei nº 13.146/2015) e tem como sanção a pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa, podendo a reclusão ter o seu período aumentado dependendo das condições em que o crime foi praticado. 

A lei também ampara situações em que o crime acontece nos meios de comunicação ou em publicações de qualquer natureza (como nas redes sociais). A penalidade passa para 2 a 5 anos de reclusão e multa, sendo cabível a interdição das mensagens ou páginas de informação na internet.

De acordo com o advogado especialista na defesa da Pessoa com Deficiência, Paulo Sanches, do escritório Advocacia PcD, situado em São Paulo, e  que atende todo o Brasil, por falta de informação as pessoas podem ter comportamentos capacitistas sem nem ao menos perceber. Ele cita as expressões preconceituosas mais ditas por clientes PcDs. 

“Brincadeiras inconvenientes como: 'deu mancada', que é uma expressão que remete à manco, ofendendo PcDs. 'Dar uma de João sem braço', 'Retardado', 'Mais perdido do que cego em tiroteio', além disso, uma atitude muito frequente é se dirigir ao acompanhante ao invés de falar diretamente com a própria pessoa (PcD), que poderia responder por si”.

Ele cita outras expressões que podem ser abolidas pela população. “'Fingir demência', pois também é um uso pejorativo da palavra demência, que é uma condição que decorre da perda da função cerebral. 'Quando penso em reclamar, lembro de você' - como se PcD não pudesse ser feliz por conta da deficiência. Essas expressões, entre outras que são utilizadas, como por exemplo, 'mongol', 'surdo-mudo', são expressões que a depender do contexto podem caracterizar o crime de capacitismo”, acrescentou ainda. 

Como alertar a sociedade contra o preconceito

A advogada e vice-presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil, Nancy Castro Segadilha, vê com tristeza o que aconteceu com a artista amazonense e ressalta que o capacitismo é um crime que dever ser combatido. 

“Acredito que o aumento de campanhas de conscientização sobre os direitos da Pessoa com Deficiência seria o primeiro passo na construção de uma sociedade justa, solidária e plural”, reforçou ela, que também é Conselheira Suplente no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – CONADE.

“A deficiência ser visível não é um requisito para que os direitos das Pessoas com Deficiência sejam atendidos. Acredito que isso vem de um lugar de desconfiança, em que parte da sociedade acredita que pessoas se passam por PcD ou inflam sua deficiência para ter alguma vantagem. Eu vejo como um pensamento medíocre e triste”, comentou a advogada.  

“Capacitismo é um crime que deve ser combatido e a representatividade alinhada a mais políticas afirmativas e inclusivas são fundamentais para que isso ocorra. Afinal, inclusão é dever de todos!”, finalizou.

Assuntos
Compartilhar
Sobre o Portal A Crítica
No Portal A Crítica, você encontra as últimas notícias do Amazonas, colunistas exclusivos, esportes, entretenimento, interior, economia, política, cultura e mais.
Portal A Crítica - Empresa de Jornais Calderaro LTDA.© Copyright 2024Todos direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por