Entrevista da Semana

Comandante-geral da PM afirma que não vai tolerar manifestação política nos quartéis

Coronel Marcus Vinicius de Almeida disse que a corporação não deve ser envolvida em disputa eleitoral

Jefferson Ramos
29/05/2022 às 07:31.
Atualizado em 29/05/2022 às 07:33

Comandante-geral da PM, Marcus Vinícius de Almeida, informou que ainda não há estudos para implantação de câmeras nos uniformes dos policiais (Foto: Junio Matos)

O comandante-geral da Polícia Militar do Amazonas, coronel Marcus Vinicius de Almeida,  afirmou em entrevista para A CRÍTICA que o policial tem direito de apoiar um candidato. Contudo ressaltou que não irá tolerar nenhuma manifestação político-partidária de militares da ativa dentro dos quartéis durante o período eleitoral. 

Em entrevista ao A CRÍTICA, Marcus Vinicius explicou que a tropa que ele comanda ainda tem certa resistência à adoção de câmeras corporais no uniforme de policiais. Segundo ele, o governo do Estado não tem planos a longo prazo de adotar o modelo de vigilância da ação policial, como é feito pela polícia de São Paulo. Abaixo trechos da entrevista:


Existe o interesse do governador Wilson Lima em implementar câmeras corporais no uniforme dos policiais? 

Não existe uma previsão muito objetiva. Existe a intenção de fazer um teste, uma prova de conceito. Isso é uma possibilidade. Não é nada impositivo. O governador não tem essa intenção para curto prazo. Volto a dizer, o que existe é uma intenção de compreender melhor o uso deste equipamento. Em alguns momentos, ele tem a possibilidade de proteção do policial, mas não existe nada muito claro ainda até que ponto isso é benéfico para a sociedade e para o próprio policial. Temos que analisar com calma. 

Mas o senhor pessoalmente é favor da adoção das câmeras?

É um tema muito polêmico. Em alguns momentos, o equipamento pode ser benéfico ao policial como prova da sua ação idônea que é a grande parte da nossa tropa, mas ele pode por outro lado também constranger a atividade policial levando com que ele tenha uma eficiência menor. Medo de errar, a intenção é acertar, mas o medo de errar pode levar a uma ineficiência no policiamento. 

Então o senhor entende que pode haver uma certa resistência por parte da tropa quando as câmeras forem adotadas?

Pode acontecer. Por isso que a gente precisa fazer um estudo muito criterioso se é vantagem para a sociedade. Porque a partir do momento que o policial tem medo de errar, isso pode ter um impacto do policial deixar de agir. Então, é essa a análise que temos que ter. A visão primária que se tem do uso das câmeras é que o policial está cometendo algo errado e não é isso que o policial faz. O policial trabalha de maneira correta. Temos que ver até que ponto é vantagem para a sociedade a adoção deste equipamento porque a visão simplista é que o policial está fazendo algo errado, o que nunca fez. E quando fez, existe a Corregedoria, a Ouvidoria e o próprio Ministério Público para apurar isso. A nossa ressalva é se o uso deste equipamento, não vai gerar o medo de errar e consequentemente, uma menor ação do policial. 

Na polícia de  São Paulo que empregou 10 mil câmeras corporais em 33 batalhões, de acordo com dados da corregedoria do órgão, a letalidade policial caiu 36% na maioria dos batalhões. O senhor acha que é preciso conscientizar a tropa de que a câmera é benéfica para a rotina policial?

Os dados que são apresentados pela Corregedoria de São Paulo precisam ser analisados. Em que momento tecnicamente é possível justificar que o uso da câmera foi o fator principal para a redução da letalidade. Não existe um estudo neste sentido. Temos que ter muita cautela nas ações. Muita cautela nas decisões para que a gente não seja levado ao erro por um dado solto como esse. Quem não me garante que o interesse é da própria empresa que vende o equipamento de difundir esse dado. Temos que ter cautela. A tropa tem que ser ouvida. Temos que conversar com os policiais. Não existe neste momento um interesse objetivo do governo do Estado em colocar ou não colocar câmeras. Temos que realizar estudos científicos para ver se é viável ou não. 

É provável que na sua administração à frente da polícia esse movimento nem aconteça?

Não sei. Temos que fazer estudos. Neste momento sequer estamos fazendo estudos. Estamos analisando. Algumas empresas nos procuraram para mostrar as câmeras e utilizá-las como prova de conceito. São passos que vamos dar de maneira muito tranquila.

Atualmente, quais medidas a corregedoria toma para diminuir a letalidade policial em confronto com criminosos?

O policial militar tem agido de maneira muito pontual e muito responsável. Todos os casos recentes que foram apurados em que houve a letalidade policial ficou comprovado que o policial fez uma ação de proteção individual, de legítima defesa, em uma ação de troca de tiros ou de uma forma que o elemento delituoso não se entregou para o policial de maneira correta. Existe uma teoria que você dá resposta de acordo com a ação do outro lado. Se ele está armado, mas sinalizou que vai se entregar, o policial vai lá e prende. Essa é a função do policial militar. Prender e entregar para que a justiça seja feita, mas o policial não vai morrer com a arma na mão. Se o elemento do outro lado atirou contra o policial, ele vai usar da mesma força para se proteger e garantir que o elemento seja entregue à Justiça. Se ele atirou contra o policial e o policial no revide atingiu em um ponto que levou a letalidade, foi a ação do bandido. 

Neste ano eleitoral, como o senhor pretende lidar com possíveis manifestações políticas dentro do quartel?

Dentro do quartel não existe. Naturalmente, o policial militar é um cidadão, mas dentro do quartel ele é um policial militar e tem um objetivo na sociedade que é manter a democracia. Dentro do quartel não tem manifestação política. Posso impedir de um candidato conversar com a tropa? Se ele estiver fora do quartel, não há problema. Ele (policial) pode ser abordado na rua por um candidato, pode. Além de tudo, o policial é um cidadão. Mas no ato de serviço, não. No ato de serviço, ele está para proteger a sociedade. 

E quanto ao uso de redes sociais, a polícia de São Paulo baixou uma portaria restringindo o uso das redes sociais para apoio a candidatos por militares da ativa. O senhor pretende adotar algo do tipo para diminuir manifestações políticas de militares da ativa nas redes sociais? 

Se o policial estiver de serviço, ele tem uma missão que é proteger a sociedade. Ele de folga é um cidadão comum como outro qualquer, mesmo o nosso estatuto dizendo que ele é policial  24 horas, mas ele tem sim o direito resguardado de se manifestar. Dizendo quem ele apoia, quem ele gosta ou em quem ele vai votar. Isso aí é um direito do cidadão. A linha é muito tênue entre o cidadão e o policial militar. Se ele está falando do pensamento político dele ali fora de serviço, não vejo problema. O que ele não pode é misturar a instituição com política. A Polícia Militar não é política. Ela é uma instituição de Estado, não é uma instituição de governo. Tenho 28 anos de polícia, passei por diversos governos, mas a instituição tem 185 anos. Ela é maior do que tudo isso. 

Pela sua fala, então, o senhor não vai tolerar manifestações políticas dentro do quartel … 

Dentro do quartel, não. Dentro do quartel é uma instituição e tem que ser preservada. 

Agora o senhor está tendo problema com esse tipo de manifestação?

Temos alguns procedimentos abertos que ocorreram antes do meu comando, de pessoas se manifestando ou no ambiente do quartel ou durante o serviço. Temos alguns inquéritos abertos que estão sendo apurados. É um inquérito policial militar. Ao final, se verificado que ele cometeu crime, isso vai para Justiça Militar e ele vai ser julgado pela Justiça Militar. 

A Polícia tem o levantamento de quantos militares vão participar das eleições?

Ainda não temos porque o prazo legal para o militar escolher um partido político é só na convenção. Ele escolhe, aí se desvincula da instituição e vai disputar o cargo. Neste momento não temos candidatos ainda. A não ser os que já foram eleitos na eleição anterior que já estão fora da polícia. O policial militar diferente de qualquer outro profissional, se ele se elege no ato da diplomação, ele vai para a reserva remunerada imediatamente. E não pode mais voltar. Esse é o detalhe. É o caso do capitão Carpê (vereador pelo Republicanos) e do capitão Alberto Neto (deputado federal pelo PL). Eles não podem mais voltar para a instituição. 

Após o assassinato do cabo, Isaías Filho, o senhor declarou da CMM, que a polícia sairia à caça dos criminosos e  que eles viriam "em pé ou deitado”. Depois disse que a missão seria cumprida com o respeito a todas as legislações vigentes, inclusive aos direitos humanos. O que o senhor quis dizer com a expressão?

A legislação é clara. O policial militar ao prender alguém, se a pessoa não revidar, será presa normalmente, vai se entregar. O que não pode é o policial militar ir prender alguém e colocar a vida dele em risco. É isso que eu quis dizer. Por isso que disse ali claramente, iremos objetivamente cumprir a legislação, respeitando direitos humanos e tudo mais. Mas os direitos humanos são para o meu policial também. O meu policial não pode prender alguém colocando a vida dele em risco. Então, a frase vai vir em pé ou deitado está previsto na lei, se eu tiver o revide de alguém, vou revidar em proporção igual àquela ação delituosa contra o policial de modo se ele fizer isso, aí te garanto, entre morrer o nosso policial e morrer o outro lado, vai morrer o outro lado por uma questão muito simples: o nosso policial é capacitado para combater a criminalidade. Se ele atirar, provavelmente ele vai morrer e não o nosso policial. 

Mas esse tipo de declaração não estimula o uso do monopólio estatal da violência de maneira desproporcional?  

Não. Até porque você não teve de lado para cá nenhum caso desproporcional. O que fizemos ali foi mostrar para o nosso policial que a ação dele dentro da legalidade está apoiada pelo comandante-geral e está apoiada pelo Estado. A legislação já diz isso e ali é apenas uma forma do policial se sentir amparado emocionalmente e ele entender a função dele. A função dele é buscar os criminosos e está sendo feito. 

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, entre janeiro e fevereiro deste ano, 719 roubos no transporte coletivo foram registrados. Qual a dificuldade de combater esse tipo de crime?

A permissividade jurídica do País. O País é muito permissivo quanto a isso. Você prende as mesmas quadrilhas uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Você tem que ter um esforço muito maior. A gente realiza operações constantes. O ponto de maior roubo que tínhamos era a Torquato Tapajós. Estamos com ações efetivas há pelo menos quatro meses ali e já diminuiu bastante o roubo naquela região. Estamos muito próximos de zero. Zerar é muito difícil, mas não tem mais registros constantes como tinha de ônibus sendo roubado levado para o lado do aeroporto. Acabou. Mas ainda assim é difícil porque você prende a quadrilha, apresenta à Justiça e a Justiça não tem meios jurídicos de manter preso. Temos que repensar a legislação.

E como a Polícia Militar trata a saúde mental dos policiais que lidam constantemente com situações de risco à vida? Ocorrem muitas licenças por transtornos psicológicos?

Temos 154 policiais em tratamento psicológico. A gente tem o atendimento psicossocial na instituição e temos alguns programas, por exemplo, o Projeto Procyon, que serve para tratar os militares que têm algum tipo de uso de drogas. Ele é feito para amparar o policial que tem algum tipo de dependência química. Temos ainda o Departamento Promoção Social que oferece tratamento com assistente social e psicólogos. Temos um setor só para cuidar do policial desde a parte de uso de drogas até a parte do impacto psicológico. 

Como aconteceu a sua escolha?

Houve uma transição na instituição onde o comandante-geral pediu licenciamento para poder participar de um processo eleitoral no interior do Estado. E o comando passou dois meses com o comando interino. Quando o governador me chamou, estava comandando a Secretaria de Administração Penitenciária. Estava lá há dois anos e onze meses. Aí foi quando o governador me chamou e determinou essa nova missão nesse próximo momento que estamos aqui. De lá para cá a gente conseguiu diversas vitórias com o apoio do governador Wilson Lima. Era um anseio antigo da instituição que era a gratificação de curso, ele deu a lei.

Já que o senhor falou da gratificação por curso, o policial militar tem a consciência de que os direitos humanos não são para minar o trabalho da instituição?

Essa visão vem mudando aos poucos. Lá no passado os direitos humanos não eram para os policiais militares. Nunca vi, por exemplo, direitos humanos visitar o velório de um policial nosso. Nunca vi. Começo a perceber uma mudança agora com a Defensoria Pública do Estado do Amazonas começa a ter uma postura de estar próximo da polícia militar. Já tenho agenda com eles, inclusive para ampliar o atendimento da Defensoria na polícia. E percebo que essa nova geração da Defensoria Pública tem esta visão. Há quinze anos atrás você não via isso. 

Nesse caso, hoje a tropa que o senhor comanda percebe que os direitos humanos é uma característica comum da democracia moderna?

Os direitos humanos no Brasil vem se estabelecendo e passam por um processo de entendimento. Os direitos humanos não são apenas para defender bandido. É para defender o ser humano. Mas esse processo de aperfeiçoamento de direitos humanos no Brasil precisa avançar porque muitos anos, sim, direitos humanos não foram para o policial militar, a gente começa a ver os direitos humanos chegar para o policial apenas agora. É uma evolução. 

O nosso policial entende muito bem o que é direitos humanos. Lidamos com direitos humanos todo santo dia. Eu lido com direitos humanos, a minha tropa lida com direitos humanos a partir do momento que ela faz, por exemplo, o atendimento de uma mulher que está sendo espancada e o policial vai lá e resguarda o direito daquela mulher. Trabalhamos com direitos humanos a partir do momento que a gente prende quem estava estuprando uma criança. A gente faz direitos humanos quando atendemos um idoso que estava mantido em cativeiro pelos próprios filhos. 

Isso é o nosso dia-a-dia. Nós, policiais militares, provemos direitos humanos há anos. Conhecemos na prática o que é direitos humanos. Não é na retórica. Direitos humanos não pode ser visto apenas no momento em que um policial militar vai para o confronto com o bandido e no confronto o bandido é alvejado ou mesmo morto. Volto a dizer não porque o policial militar quis, porque foi necessário para se proteger. Muitas das vezes os [defensores] de direitos humanos não compreendem a ação em que o policial faz todo o santo dia para garantir os direitos humanos daqueles que nos procuram.

Não podemos dizer que 100% dos policiais agem com perfeição. Qualquer instituição vai ter os bons e os maus. E aqueles que agem fora da lei têm que pagar pelos seus excessos. Não tenho dúvida disso.

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