Na Super Tech Week, reportagem de A CRÍTICA conversou com alunos e professores da Ufam, que compartilharam os desafios da área e como driblam as dificuldades para seguirem nas ciências exatas
(Foto: Gilson Mello)
A taxa de retenção e evasão de estudantes de ensino superior tem os maiores índices em cursos das áreas de ciências exatas, apontam pesquisas. Incentivar jovens a ingressarem e permanecerem em cursos da área de ciências, tecnologia, engenharia e matemática tem sido um desafio dentro e fora das universidades. A reportagem de A CRÍTICA conversou com alunos e professores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), durante a 2ª edição da 'Super Tech Week', um evento de tecnologia, que juntos compartilharam os desafios da área e como driblar as dificuldades e para seguir carreira nas ciências exatas.
A Super Tech Week, é um evento que tem como objetivo incentivar jovens a conhecerem e se capacitarem nas áreas de tecnologia, com ênfase em computação, engenharia e design. O evento gratuito ocorreu nos dias 23, 24 e 25 de março, com transmissão pelo YouTube. A Super Tech Week teve palestras com profissionais do mercado nacional e internacional, uma competição de matemática que premiou o Rei e a Rainha da Integral, além da apresentação de mais de 100 atividades desenvolvidas pelos alunos do projeto Super.
O professor do departamento de Matemática da Ufam e organizador da competição, Disney Douglas Oliveira, afirmou que, atualmente, o cálculo é uma das disciplinas que tem maior índice de retenção na universidade. “Contando retenção e reprovação mesmo é cerca de 70% logo no primeiro ano. O cálculo 1 é a disciplina do 1º período e várias outras disciplinas tem o cálculo como pré-requisito, então, isso faz com que atrase muito o curso e muitos alunos desistem porque não conseguem mais se matricular no cálculo novamente, e fica esse ciclo vicioso”, explicou.
Mas para driblar esses desafios, o professor conta que algumas atividades tem sido desenvolvidas de modo a envolver os estudantes e os futuros alunos da universidade, além de manter a motivação dos que já estão nos cursos. “Nós temos monitoria, onde é feito o atendimento aos alunos e temos também alguns recursos, material específico para eles como a plataforma Colabweb, onde ficam videoaulas, exercícios resolvidos, e vários recursos que são de ensino e aprendizagem. E os alunos que são mais avançados eles já publicam artigos, fazem pesquisa junto com os professores orientadores”, disse.
Fatores para evasão do alunos
Questionados sobre os fatores que influenciam na retenção e desistência de alunos no cursos de exatas, alunos e professores apontam um fator comum: deficiência do ensino básico em matemática. O estudante do 6º período de Matemática Aplicada, Rosivan Cavalcante, 22, que atualmente é monitor no projeto Super e venceu a competição de matemática ano passado, disse que teve dificuldades no começo do curso, principalmente, por falta de base em matemática, mas deu a volta por cima com muito estudo.
“Quando eu entrei aqui, eu sempre fui aluno de escola pública, então a gente já entra com uma bagagem muito vaga, tem muita coisa que a gente não vê na escola e precisa aqui. Então, acredito que ali no comecinho ainda senti muita dificuldade, mas depois o negócio foi sentar e estudar mesmo, estudar, estudar, tentar tirar as dúvidas que a gente tem com relação a conteúdo ainda do ensino médio, mas eu consegui dar a volta por cima, hoje em dia eu já estou bem no meu curso, está faltando ainda dois períodos para me formar”, relatou.
O professor Disney Douglas também apontou a falta de base como fator principal para retenção e desistência dos alunos. Ele afirma que atividades como nivelamento em matemática têm ajudado os alunos a reforçarem conteúdos do ensino médio, além disso, são oferecidos recursos para manter a motivação dos alunos, com recursos financeiros como bolsas de pesquisas e atividades que dê aos alunos a oportunidade de desenvolverem seus talentos.
“Eu fiz um levantamento e cerca de 60% dos alunos que fizeram de fato o nivelamento eles tiveram aprovação em cálculo. Também tem casos de alunos que não tem dinheiro pra vir pra faculdade, então, quando o aluno tem um apoio com uma bolsa, por exemplo, isso ajuda bastante ele a se manter e ele consegue continuar os estudos. Também a questão de oportunidades, às vezes, o aluno ele não tem oportunidade de mostrar o que ele sabe, de desenvolver o seu potencial, então, o projeto aí pra isso, tem vários depoimentos dos alunos que falam ‘poxa eu não acreditava que eu era capaz de fazer isso’. Então, é dada a oportunidade e eles desenvolvem um trabalho excelente”, disse o professor.
Este foi o caso do estudante do 1º período de Matemática aplicada, Gustavo Costa de Souza, de 19 anos. Ele que venceu a competição de matemática da Super Tech Week e ganhou o título de ‘Rei da Integral’, além da premiação, disse que viu na disputa uma chance para recuperar a motivação no curso, já que há algumas semanas ele havia pensando em desistir.
“Eu levei essa competição de uma maneira como se fosse a minha última chance na faculdade, porque assim, há umas duas semanas eu estava pensando em desistir do curso, eu estava bem desmotivado por fatores pessoais, dificuldades, só que eu vi na competição uma forma de dar um gás nos estudos e eu realmente levei isso bastante a sério e eu me preparei bastante”, disse Gustavo, ao destacar que a conquista do título deu a ele um motivo a mais para continuar.
“Como a própria competição do Super trás essa ideia, essas atividades extracurriculares que a faculdade pode promover elas com certeza atraem o pensamento e a motivação dos alunos de exatas, principalmente aqueles que estão entrando agora. Então, se os alunos fossem motivados logo no 1º período mostrando a seguinte ideia: ‘olha, é difícil. Mas você pode caminhar por esse corredor aqui e bem devagar você consegue ter um ritmo legal’. Só que entrar na universidade não é assim, é bastante abrupta, você sai do ensino médio e se depara com um abismo entre a faculdade e é isso que eu queria frisar”, complementou Gustavo.
Mulheres nas Ciências Exatas
Se incentivar e manter alunos nos cursos de exatas é difícil como um todo, quando se fala de mulheres na área de ciências e tecnologias a situação se agrava, porque ainda é preciso superar a baixa presença delas nos cursos de exatas, o que envolve uma série de desafios. A estudante do 6º período de Licenciatura em Matemática, Karolline Vitória Silva, 22, era a única mulher na competição de matemática da Super Tech Week e ganhou o título de ‘Rainha da Integral’. Ela disse que a situação não é diferente em sala de aula.
“Infelizmente a gente tem isso em sala de aula, você olha e 90% posso cravar é de homens e 10% são as meninas. Eu acho que é difícil pra mim, mulher, por exemplo, eu particularmente me senti sozinha, tinha alguns meninos aqui e só tinha eu de menina, então, querendo ou não você acha que você não faz parte disso, às vezes, eu acho que algumas meninas se sentem assim, eu já me senti no início, mas com o desenrolar da turma, eles me abraçaram e em nenhum momento me recursaram e isso também me ajudou”, disse Karolline.
Ela destacou que é preciso quebrar alguns tabus também, principalmente, no âmbito familiar, e incentivar cada vez mais meninas nas áreas de exatas. “Falta também um incentivo na família, às vezes, está enraizado -‘Ah, você tem que seguir uma área de meninas, você tem que ser professora, mas não de matemática, tem que ser português, pedagogia’-. Então, eu acho que está muito enraizado isso, infelizmente. A gente precisa tirar esse medo das meninas de seguir nas áreas de exatas, engenharia, matemática, física”, disse.
“Eu acho que a gente não pode ter medo daquilo que a gente realmente quer, como eu falei, eu ia pra engenharia, mas eu queria realmente matemática, mas meus pais, por exemplo, queriam que eu fizesse medicina , só que eu queria matemática e segui na matemática. Acho que a gente tem que quebrar um pouco isso sabe, ir sem medo, a gente tem que fazer aquilo que a gente sente paz no nosso coração, então, acho que a gente tem que quebrar um pouco isso”, complementou.