Dia das Mães

Mães PCDs superam dificuldades dobradas para cuidar dos filhos no Amazonas

Se criar filhos já é um desafio e tanto para as mulheres, a adição de alguma deficiência física torna a missão ainda mais complicada. Esse é o caso da auxiliar administrativa, Sheila Gonçalves, mãe de três filhos, que perdeu a audição por conta de uma meningite

Lucas Vasconcelos
07/05/2022 às 09:55.
Atualizado em 08/05/2022 às 07:27

Auxiliar administrativa Sheila Gonçalves, de 37 anos, com a foto dos três filhos no celular, lembra que foi difícil conviver com a surdez no início (Foto: Junio Matos)

Ser mãe é um desejo de grande parte das mulheres, seja pela vontade de constituir uma família ou pela experiência do tão comentado "amor incondicional". E para as mulheres com deficiência não é diferente.

A maternidade não é algo fácil, seja em qualquer contexto em que a mulher se encontre socialmente ou financeiramente. Agora, quando você soma estas dificuldades com os obstáculos que a sociedade impõe por conta de alguma deficiência física, o papel de ser mãe se torna ainda mais desafiador.

Este é o caso da auxiliar administrativa Sheila Gonçalves, de 37 anos, mãe de três filhos e um cachorro - considerado como membro da família. Solange nasceu ouvinte, porém aos três anos de idade teve que lutar contra uma meningite. A doença acabou deixando como sequela a perda da audição.

A auxiliar administrativa relembra o quanto foi difícil conviver com a surdez no início, mas destaca que nunca deixou de lutar pelos seus direitos.

"Minha mãe achou que eu não era capaz de me desenvolver. Mas, mesmo assim, ela tentou lutar. Me levou para uma escola de surdos e lá aprendi a oralização, fazer leitura labial. Mas em outras escolas era difícil porque não tinha intérpretes e isso me causava muitas limitações. Sofri muito bullying. Me chamavam de muda e isso me causava um ressentimento muito grande. Porque às vezes é falta de informação, né? O termo certo é surdo. Quando fui trabalhar também. Tentei lutar, me esforçar e me movimentar para conseguir trabalhar nesses locais", descreveu.

Hospitais sem intérpretes

Sheila conta que um dos principais desafios que enfrentou durante a maternidade foi durante o atendimento nos hospitais por falta de intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras).

"No hospital foi o [período] mais difícil. Porque não tem comunicação. Tem essa limitação da comunicação. Como vai fazer o tratamento? O pré-natal? Não tinha intérprete para fazer a intermediação entre mim e o médico. Daí tinha que sempre levar minha irmã junto. Acredito que dentro dos hospitais precisa ter esse profissional. Porque a comunidade surda precisa, as mulheres surdas também engravidam", ressalta a mãe.

Amor de mãe

Um grande exemplo de que amor de mãe é um amor incondicional é a história da amazonense Solange Souza, de 55 anos, mãe de dois filhos. Solange se casou aos 18 anos e com 21 teve sua primeira filha. Cinco anos depois, engravidou novamente e com três meses de gestação acabou sofrendo um acidente de carro que mudou totalmente a sua vida.


Solange Souza, de 55 anos, mãe de dois filhos, acabou sofrendo um acidente de carro que mudou totalmente a sua vida (Foto: Junio Matos)

 Solange foi rapidamente socorrida e ao chegar na unidade hospitalar, os médicos sugeriram que ela tirasse o bebê, pois passaria por uma cirurgia que aumentaria as chances dela voltar a andar. Porém, o sonho de ser mãe foi mais alto e Solange abdicou do movimento das pernas para poder dar a luz ao seu segundo filho.

"Tive que ser firme porque os médicos me falaram que se eu tirasse o bebê eu poderia voltar a andar logo em seguida. E eu disse que não. Eu já tinha andado tudo o que tinha para andar e eu queria o meu bebê. Os médicos insistiram pois eu tinha chances se fizesse fisioterapia depois da cirurgia. E bati o pé e disse que preferia ter o bebê do que voltar a andar", contou Solange.

Resistência e perseverança

Para Solange, após o nascimento do segundo filho a vida mudou totalmente. Recém-deficiente e recém-separada, Solange teve que conciliar o cuidado dos filhos ao mesmo tempo em que vencia as dificuldades de ser PcD.

"Não foi muito fácil. Estava recém-deficiente. Não tinha muita ajuda. Eu não tive muitas chances de ter o luto da deficiência. Eu tinha que cuidar de bebês. Meu marido não quis ficar comigo logo depois que eu fiquei deficiente. Não tive muito tempo para pensar. Eu só agia. Se eu parasse para pensar, iria enlouquecer. Tinha que trabalhar e cuidar dos filhos. Mas acabou dando certo. É difícil. É mais complicado, imagina só, uma mulher recém-separada, deficiente, uma mãe solo. Tudo agia contra. Eram várias batalhas que eu tinha que lutar para conseguir", destacou Souza.

Luta contra o preconceito

As pessoas com deficiência (PcDs) ainda sofrem preconceito por parte da sociedade. Solange relembra o dia em que foi expulsa de uma loja apenas por estar na cadeira de rodas.

"Sofri muito preconceito. Tive que aprender a lidar com isso. Chegava na loja, as pessoas não queriam me atender porque era deficiente, pediam para eu sair. Fui comprar um sapato e a atendente pediu para eu sair da loja por estar atrapalhando a venda por ser cadeirante. Me expulsaram por pensar que eu estava querendo pedir esmola", contou Solange.

Apesar de vivenciar momentos como esse, Solange não abaixou a cabeça e segue na luta pelo respeito às pessoas com deficiência.

"Já ouvi pessoas me falarem 'olha aquela aleijada', uma outra mãe já falou para seu filho chorando 'para de chorar se não essa mulher aí vai te pegar'. Fui firme e revidei que o monstro não era eu e sim ela. Hoje, sinto que provei para mim mesma que eu sou capaz de fazer tudo o que uma pessoa sem deficiência faz. Consegui educar duas crianças, consegui trabalhar, consegui dirigir. Meu carro é adaptado. Hoje estou de boas com a minha deficiência", relatou Solange.

Apoio familiar

Ser mãe com qualquer deficiência é desafiador. Mas, segundo Sheila Gonçalves, com a ajuda da família é possível superar estas dificuldades.

"Posso me usar como modelo. Mães surdas tem dificuldade porque as pessoas não dão informação direito. Mas se tivermos o apoio da família, é possível. A família é o principal Os PcDs em geral, todos eles são capazes de desenvolver, compartilhar. Sei que é difícil, mas se todos nós juntos em sociedade colaborarmos, dá certo", declarou Sheila.

Já para Solange o principal motivador tem que partir de dentro pois, segundo ela, as mulheres e mães são mais fortes do que pensam.

"O que eu posso falar para as mães PcDS é que é difícil. A gente pensa que não vai chegar lá. A gente não enxerga a luz no final do túnel, mas ela tá lá. As pessoas costumam me dizer que sou guerreira. Mas eu não sou. Eu sou sobrevivente. Toda mulher tem isso dentro de si, seja deficiente ou não. Em um país, majoritariamente patriarcal, as mulheres são sobreviventes. A gente tira forças de onde não tem. Nós mães somos duas vezes mais sobreviventes, principalmente mães solos. Continuar sempre, não desistir. Não abaixar a cabeça para ninguém. A mulher é mais forte do que ela pensa" descreveu.

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