Legado

No Centro histórico de Manaus, Casarão guardará legado do poeta Thiago de Mello

Numa das ruas mais bonitas do Centro Histórico, perto do Rio Negro, a Prefeitura de Manaus concede antiga casa da Rua Bernardo Ramos para sediar a Memória do Instituto Thiago de Mello.

Isabella Thiago de Mello
26/08/2022 às 19:25.
Atualizado em 26/08/2022 às 20:05

Poeta Thiago de Mello (Foto: André Argolo)

O Instituto Municipal de Planejamento Urbano de Manaus se uniu ao Instituto Thiago de Mello com objetivo de preservar o patrimônio histórico, artístico, material e imaterial do poeta Thiago de Mello, e com esta missão, concedeu uma antiga casa da Prefeitura no Centro Histórico, “a casa amarela” da Rua Bernardo Ramos, para ser a nova sede do Instituto Thiago de Mello em Manaus. − O homem parte, mas sua obra e sua história ficam. 

Isabella Thiago de Mello, produtora, filha do poeta, presidente do Instituto que leva o nome do Pai, firmou a parceria com o engenheiro Carlos Vallente, Presidente do IMPLURB, Pedro Paulo Cordeiro, Diretor de Planejamento Urbano, e com Bepi Cyrino, antigo Superintendente do IPHAN/AM e Diretor de Patrimônio do Instituto Thiago de Mello. As licitações para as obras de restauro começam em Setembro, e todos os esforços serão feitos para que a inauguração do “Casarão Thiago de Mello” seja no próximo aniversário do poeta em 30 de março. 

“É um trabalho de Equipe dos dois Institutos, contamos com professores, arquitetos, historiadores, fotógrafos, jornalistas, todos comprometidos com a missão histórica de preservar e levar adiante a história de um dos principais nomes da Literatura Brasileira. Temos em mente as bandeiras de Thiago: a Educação, a Preservação da Cultura e da Floresta Amazônica e dos povos indígenas, a integração econômica e cultural da América Latina, e os Direitos Humanos: acreditamos, não perdemos a esperança da construção de uma sociedade humana solidária, para a qual a poesia, a criação artística têm muito que contribuir", diz Isabella.

E continua: −  “Herdamos esse imenso legado, todos nós brasileiros, mas principalmente, nós amazônidas, e por isso é muito importante a sede principal do Instituto Thiago de Mello ser em Manaus, na capital do estado do Amazonas, onde meu Pai viveu desde os 5 aninhos de idade, quando chegou de Barreirinha em 1930, nos braços de meus avós Dona Maria, seu Pedro e sua irmã mais velha, Maria Júlia. E principalmente, onde Papai estudou em excelentes escolas públicas, primário e ginásio, antes de ir pro Rio de Janeiro, formar-se em Medicina, trabalhar como jornalista, secretário de Cultura, diplomata e ganhar o mundo com sua palavra escrita e falada. No ano de 1997, o professor Tenório Telles colheu um depoimento do poeta no cd-rom “O Amazonas e sua Literatura”. Lá, Thiago declara: 

Em Manaus, eu vivi o período mais luminoso da minha infância e todo começo da minha juventude. (...) Estudei no Grupo Escolar José Paranaguá, onde, e graças a particularmente duas professoras, a dona Clotilde Pinheiro e Dona Aurélia do Rego Barros, eu descobri que o homem era capaz de criar a Beleza. Eu, aos 9 anos de idade, já tinha lido os poemas de Casimiro de Abreu, eu já sabia ouvir “as estrelas” de Bilac, Já sabia, aos 10 anos, quando terminei o meu curso primário e entrei para o Ginásio Amazonense Pedro II, eu sabia de memória o soneto, um dos mais belos da língua portuguesa: “A Carolina” de Machado de Assis. Então, no ginásio, eu lia Drummond, eu lia Manuel Bandeira, eu sabia “Essa Negra Fulô” de Jorge de Lima. Eu encerro, portanto, esse período da minha infância e minha adolescência, até meus 15 anos, quando deixei Manaus, sozinho, num navio do Lloyd, chamado Alexandre Alexandrino, a caminho do Rio de Janeiro para estudar Medicina, eu já levava comigo abertas algumas vertentes fundamentais da minha vida, que me acompanham até hoje: Eu já sabia primeiro que o homem era capaz de criar a beleza. Eu já viajei sabendo que a vida humana, nesse lugar chamado Terra é marcada por profundas e terríveis desigualdades sociais. E já sabia que o amor era possível e que uma das mais belas formas de amor é a amizade.”  


(Foto: Bepi Cyrino)

 Bem, e o  que dizer do clássico livro “Manaus, Amor e Memória”? 

“Talvez, um dos textos mais bem escritos em prosa e verso de Thiago, que estava recém chegado de Portugal, estava com uma gramática rebuscada, lusitana e ao mesmo tempo manauara, o jeito simples de contar histórias de personagens da sua infância das décadas de 1930 e de 1940, a herança do ciclo econômico da Borracha, da Belle Époque de Paris dos Trópicos, dos saraus literários, dos Cafés, das misses, de um jeito de ser solidário, do cheiro da feira, e do cabelo da moça no bonde... e de deixar a canoa correr “de bubuia”. Thiago memorialista, Thiago antropólogo urbano, Thiago morrendo de saudade de sua terra, de seus amigos, de seus costumes, dos ternos claros, do seu rio, depois de amargar anos de exílio (que é uma saudade diferente porque no exílio fica-se impedido do livre arbítrio de ir e vir pro seu país). Ele abre o livro com o título: “Armação de Luz e Cântico para Manaus que me fez.” 

“ Guardar, preservar, manter vivo, tornar presente, tirar do esquecimento, trazer à luz: este é o poder da memória. Seu papel é importante no âmbito da educação patrimonial e cultural, uma vez que o patrimônio é tudo aquilo que desejamos guardar e preservar, porque é portador de um significado histórico para a vida coletiva”.
Professora Doutora Lúcia Rocha FerreiraUniversidade Federal do Amazonas

A editora me pergunta: −Como será o Casarão Thiago de Mello?

“Será um lugar de memória viva. Precisamos trazer a história do “retorno das origens” de Papai, desse curumin que nasceu na fazenda de cacau de seu avô Gudêncio, cresceu, estudou,  rodou os quatro cantos do planeta e retornou para o lugar onde nasceu. Vamos trazer a história do tombamento e da preservação das casas para Manaus. Porque digo isso? Porque as casas ficam em Barreirinha, ficam no interior, longe, um dia de barco de Manaus. E muita gente não conhece as casas. Digo mais: todos os anos, Parintins faz um dos mais belos festivais folclóricos brasileiros, Manaus e Parintins recebem milhares de turistas, o boi bumbá da ilha de Tupinambarana fica ao lado de Barreirinha, e ninguém sabe que a 20 minutos dali, de lancha, estão as casas do poeta. Então, está no projeto desenvolvermos maquetes das casas do poeta para exposição permanente no Casarão. Quem for ao “Casarão Thiago de Mello” irá conhecer as casas amazônicas do poeta, obras projetadas por um dos principais arquitetos modernistas, Lucio Costa, construtor de Brasília, ao lado de Niemayer, reconhecido internacionalmente e que é neto de Dona Libânia, primeira professora pública de Manaus. O arquiteto também tem raízes profundas com o Amazonas e com Manaus.

O conceito da Museologia é fundamental para preservarmos a Memória. Teremos exposição de fotos que contará a cronologia e a biografia da sua história, documentos, parte de seus acervos, livros, obras de arte, e um vasto material multimídia para pesquisa digital, para que os alunos de escolas e universidades do Brasil, da América Latina ou de outros continentes, possam acessar e pesquisar. Ao mesmo tempo, será um espaço de fomento cultural, com exposições de artes plásticas, de música, cinema, etc.. O casarão tem espaço ao ar livre que proporcionará projetos diversos e intercâmbios.

Importante citar que o Casarão proporciona o contato com a Natureza porque fica pertinho, tem vista para o Rio Negro. Será uma casa para receber o público que tem interesse em conhecer a trajetória do poeta, e para quem já conhece, revisitar, conviver com a Memória e o Legado que ele nos deixa.


Reunião na mesa da presidência do IMPLURB: (da esquerda para direita); Bepi Cirino, arquiteto antigo Superintendente do IPHAN/AM, Diretor de Patrimônio do Instituto Thiago de Mello, a produtora Isabella Thiago de Mello, Presidente do Instituto que leva o nome do Pai, Carlos Vallente, engenheiro, Presidente do Instituto de Urbanismo da Prefeitura, e Pedro Paulo Cordeiro, Diretor de Planejamento Urbano do IMPLURB. (Foto: Claudia Valle

Um pouco do legado

70 anos de profissão de escritor, jornalista, tradutor e diplomata. Setenta e cinco livros publicados no Brasil e no exterior. O poema ESTATUTOS DO HOMEM está traduzido para mais de 30 idiomas e escrito no mural da sede das Organizações das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque. Para o espanhol, a tradução é de Pablo Neruda; para o inglês, Sergio Bath; e no francês, Régine Mellac.

Thiago representou o Brasil no Congresso Mundial de Poetas promovido pela UNESCO para celebrar os 40 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos em Paris. Foi membro da Comissión de Los Notables, criada pela ONU (25 escritores latino-americanos, entre os quais: Gabriel Garcia Marques, Mario Benedetti, Arturo Corcuera, Ernesto Cardenal, Eduardo Galeano e, o único europeu, José Saramago) para respaldar o trabalho da UNICEF pela vida das crianças e adolescentes da América Latina.
         
A chamado de Ulysses Guimarães, os ESTATUTOS foram declamados com orquestra do maestro Claudio Santoro na Abertura da Constituinte, na Praça dos Três Poderes em Brasília. Segundo sua Fortuna Crítica construída por Sérgio Buarque de Holanda, Sergio Milliet, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, e Manuel Bandeira; Thiago, logo na estréia, em 1951, aos 25 anos de idade, com SILENCIO & PALAVRA e NARCISO CEGO, foi considerado um dos maiores expoentes da chamada Geração de 45 do Modernismo Brasileiro. A tríade: Moacyr Felix, Geir Campos e Thiago de Mello.

E completo: −“Aqui, em Manaus Papai escreveu seu primeiro poema com 7 aninhos, quando testemunhou uma tragédia”:

“Vi meu amigo morrer
afundando no perau.
O que vai acontecer?”

“Mesmo já radicado no Rio de Janeiro, trabalhando como cronista diário do Jornal “Correio da Manhã” e “O Globo”, Papai sempre vinha pra Manaus como repórter, naquela boa década de 50, vinha trabalhando e aproveitava para rever sua família, seus amigos músicos, cientistas, poetas. Doutor Ozório Fonseca foi diretor do INPA, estudou com papai no Ginásio Pedro II, o artista plástico, Moacyr Andrade, os poetas Elson Farias e Jorge Tufic, e Luiz Bacellar. Isso sem falar na Astrid Cabral, a musa do Clube da Madrugada. Tem uma foto linda em “Manaus Amor & Memória”, “sob a sombra da árvore que dá sede à Instituição”. Nesta foto está Thiago e os integrantes do Clube da Madrugada, em 1957.”

“Manaus é um lugar de afeto, comida farta na mesa, ponto de partida de ir pro porto, rede e lençol pro barco, litros e litros de açaí e bacaba. Aqui em Manaus meu pai voltou a morar nos últimos anos de sua vida, no apartamento do sétimo andar da avenida Getúlio Vargas, esquina com a Marçal, pertinho do Largo e do Teatro Amazonas. Aqui em Manaus, papai deu entrada no processo federal de preservação e tombamento de suas casas”.

“Aqui em Manaus ele ouviu os últimos cantos do meu irmão Thiaguinho e dormiu profundamente para acordar com violinos da corte celestial. Seu corpo foi velado no Palácio Rio Negro na Rua Sete de Setembro, depois seguiu em carreata no carro de Bombeiros, parou em frente da escola para se despedir do Ginásio Pedro II. 

O “casarão Thiago de Mello” na Rua Bernardo Ramos, será a sede do Instituto que leva seu nome, porque é feita da mesma Luz, do mesmo Cântico, das mesmas lendas de botos e Iaras, da Literatura Machadiana e Moderna, desta Manaus que o fez.

CAPA da primeira edição de MANAUS, AMOR & MEMÓRIA publicada pela SUFRAMA, 1983

Família Thiago de Mello: Pai e Mãe: Pedro Thiago de Mello e Dona Maria Mitouso de Mello rodeados pelos 6 filhos: (na primeira fileira): Thiago, Maria Rita e Maria Julia, (e ao lado) Gaudêncio, Maria do Céu e Eline. Manaus, 1937. FOTO publicada em MANAUS, AMOR e MEMÓRIA

FOTO THIAGO CRIANÇA. Thiago de Mello, menino. Sua mãe Dona Maria já o vestia de terno de linho branco. Manaus, 1941 Acervo Particular

Thiago de Mello & Clube da Madrugada: FOTO publicada no livro MANAUS AMOR E MEMÓRIA com a seguinte nota do Autor: " Sob a árvore cuja sombra dá sede, na praça do Ginásio, à instituição, reúnem-se membros e amigos do Clube da Madrugada. A partir da esquerda: o pianista Arnaldo Rebello, o poeta Jorge Tufic, o jornalista e poeta Thiago de Mello, o ficcionista Francisco Vasconcellos, o poeta Elson Farias, e o pintor Moacyr Andrade.

Os alunos do Colégio José Paranaguá com a professora Júlia Bezerra, na frente da Escola. FOTO publicada em MANAUS, AMOR E MEMÓRIA

Ginásio Amazonense Pedro II FOTO publicada em MANAUS AMOR e MEMÓRIA.

FOTO COLORIDA do Ginásio Pedro II . Acervo Particular

Casarão Thiago de Mello e Isabella, filha do Poeta, produtora à frente do Instituto que leva o nome do Pai (Foto: Bepi Cyrino)

Casarão Thiago de Mello, e Isabella, filha do Poeta, produtora à frente do Instituto que leva o nome do Pai. (Foto: Bepi Cyrino)

Isabella traz a história na Nova Sede do Instituto Thiago de Mello (Foto: Bepi Cyrino)

Reunião na mesa da presidência do IMPLURB: (da esquerda para direita); Bepi Cirino, arquiteto antigo Superintendente do IPHAN/AM, Diretor de Patrimônio do Instituto Thiago de Mello, a produtora Isabella Thiago de Mello, Presidente do Instituto que leva o nome do Pai, Carlos Vallente, engenheiro, Presidente do Instituto de Urbanismo da Prefeitura, e Pedro Paulo Cordeiro, Diretor de Planejamento Urbano do IMPLURB. (Foto: Claudia Valle)

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