Parlamentar participou de rodas de conversas, no sábado e no domingo, antes da exibição do Filme ‘Mariguella’, de Wagner Moura
(Fotos: Letícia Scantbelruy)
A vereadora da cidade de Salvador pelo partido dos Trabalhadores (PT), Maria Mariguella, esteve em Manaus no último final de semana para cumprir uma agenda de debates e rodas de conversa a respeito da participação de mulheres na política no Brasil e o papel da cultura na luta pela manutenção da democracia.
A parlamentar participou de rodas de conversas, no sábado e no domingo, antes da exibição do Filme ‘Mariguella’, de Wagner Moura, no espaço cultural Curupira Mãe do Mato, no Centro de Manaus. Foi convidada pela secretária Nacional de Mulheres do PT e pré-candidata à deputada federal, Anne Moura.
No evento, que mostrou de forma gratuita o filme sobre seu avô, o deputado federal pela Bahia, Carlos Mariguella, guerrilheiro de esquerda, que participou da luta armada contra a ditadura militar no Brasil, Maria conversou com o A CRITICA sobre a importância das mulheres na política.
A seguir a entrevista.
O que te traz a Manaus? E por que trazer essa discussão com a roda de conversa antes do filme ‘Marighella’?
Eu estou em Manaus a convite da Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT, e do coletivo As Amazonas, que é um coletivo que está se organizando politicamente, está organizando mulheres na política, um coletivo que organiza mulheres. Eu acho que a gente precisa entender que o golpe, o ciclo político que nós estamos vivendo, ele tem um forte traço de misoginia, machismo, é um processo de retirada de direitos que avança contra as mulheres, a agenda feminista, a agenda de direitos. É uma agenda que ataca as mulheres radicalmente. Nós estamos vendo as chapas majoritárias - falando de todos os grupos políticos - com esse forte traço de afastamento das mulheres, e acho que é dever de todas as mulheres do Brasil e, sobretudo, daquelas que têm o compromisso com a agenda feminista, de se comprometer com o levantar de mulheres, em se movimentar com mulheres e erguer mulheres.
Em todo lugar que eu vou tenho feito essa conversa no sentido de estar com mulheres, entender qual o papel das mulheres na retomada da democracia. Na eleição do presidente Lula isso tem que ter papel fundamental. Então estamos num ano que é mais do que um ano eleitoral. Não é uma eleição em curso, não é um processo eleitoral que nos atravessará em 2022. Eu vou além: a gente está num processo de retomada da democracia, no processo de redemocratização do Brasil, em que a pauta das mulheres precisa estar na frente, no centro. Acho que a gente vai ter um reposicionamento da democracia.
Eu não estou num clima de ‘já ganhou’. Acho que a gente ainda está sob risco, sob ameaça, tem muito trabalho, muitos debates para serem feitos, mas acho que a gente não pode só entender o processo da retomada da democracia formal, ou da retirada de um projeto violento da política. Eu acho que há um projeto que precisa ser disputado. A gente ainda não tem nitidez sobre o projeto político do futuro do Brasil, aquilo que vai conectar o Brasil com o seu futuro, com seu destino e acho que nós estamos em pleno processo de construção desse projeto e ele vai nos exigir a todas e a todos.
Estar em Manaus é estar fazendo um chamado para geral. Esse chamado, por óbvio, a partir desse grupo que me convida, mas para o papel da cultura que também foi um campo que sofreu muito ataque, de organizar os movimentos e espaços de cultura.
A realidade do Amazonas é infelizmente de baixa representatividade das mulheres no Legislativo. Hoje, em Manaus, das 41 vagas da Câmara municipal, apenas 4 são ocupadas por mulheres e nenhuma das 11 vagas na Câmara e no Senado pertencem a mulheres. Qual a importância de estar aqui, debatendo em um espaço formado na maioria por mulheres?
Veja, olha aqui, olha o que você fala, nós estamos num lugar em que a maioria é mulher organizando o espaço de cultura, fazendo gestão, em várias frentes e essas mulheres não estão no lugar de poder. Você vê que tem um disparate: as mulheres estão em tudo, estão em maioria, em todos os lugares, até no eleitorado, estão à frente de constituições de espaços diversos, à frente da saúde como aconteceu na pandemia, nos trabalhos de cuidados, nos espaços de cultura, nas escolas e etc. Por que essas mulheres não chegam nos espaços de poder?
Porque os espaços de poder ainda são organizados pelo capital e ter mulheres na política - e sobretudo mulheres na política com agenda feminista - é uma pauta que desarranja essencialmente o poder constituído tal qual ele está organizado, porque o poder hoje no Brasil se afirma através da acumulação, da exploração e da manutenção, digamos assim, do próprio poder. Então, é uma conta que não fecha. Por isso que nós precisamos fazer com que essas experiências na sociedade que são lideradas por mulheres possam também atuar no processo eleitoral, apresentando as suas representações, se organizando para eleger mulheres. Tem um outro aspecto, para além de eleger mulheres, de proteger essas mulheres.
Há também uma outra questão acerca da violência política que as mulheres eleitas enfrentam, não é?
Muitas vezes as mulheres são eleitas, mas elas não são reeleitas porque não têm investimento, não têm proteção. Dilma é o maior e principal exemplo disso. Uma mulher que sofre todo o ataque. Falaria também da morte de Marielle Franco. Nós estamos diante desses dois símbolos e acho que a gente precisa tratá-los. Na eleição de 2020 nós fomos signatárias da agenda Marielle e Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle, no outro dia da eleição, fez a seguinte pergunta: ‘Quem cuida das mulheres eleitas?’. Porque nós lutamos para votar, depois para sermos eleitas e agora precisamos lutar para manter e ampliar o número de mulheres no poder para aí ter a mudança real que a política pode promover.
E a gente vê mais um resquício do machismo nisso quando não é necessário aos homens um programa como esse. A gente não vê a necessidade de ‘proteção’ para os homens que são eleitos.
Exatamente. As instituições brasileiras são feitas não só para protegê-los, mas para fazer a manutenção deles nesses espaços. Está aí um nó que a gente precisa tratar, inclusive quando nós chegamos a esses espaços. A gente precisa transformar esses lugares em espaços mais porosos, que protejam as mulheres, que protejam as experiências feministas, abrir esses espaços para outras mulheres. Muitas vezes o campo da representação faz com que sejamos mulheres únicas. Também tem muito isso de uma mulher chegar lá e ela ter que se manter lá. Não seremos mulheres únicas, apoiaremos e ampliaremos as cadeiras, então é muito trabalho pela frente.
Nós precisamos falar o quanto é importante, por exemplo, nas chapas majoritárias, contar com as mulheres, defender essa participação em todos os espaços, no parlamento, nas chapas majoritárias, mas não só, eu acho que as mulheres precisam ocupar secretarias, as mulheres precisam ocupar espaços dirigentes, as mulheres precisam estar em absolutamente todos os espaços.
Maria, hoje você é vereadora de Salvador, mas nós estamos em ano eleitoral. Quais seus planos para esse ano? Terá uma candidatura?
Estamos debatendo isso dentro do partido. São muitas as tarefas. Hoje eu estou aqui. Tem uma coisa que as pessoas olham pra gente e as pessoas querem estar na política. Tem um interesse pela política muito grande porque as pessoas estão sentindo que as suas vidas foram atravessadas pela crise política, econômica, social, sanitária, ambiental e sinto as pessoas com esse olhar. A gente tem esse compromisso, não de responder porque não é uma pergunta. Temos a responsabilidade de eleger mulheres. Eu acho que é um dever do partido. Tem muitos desafios. Acredito que até o finalzinho do mês a gente deve ter notícias mais concretas, mas hoje é defender a democracia, defender uma agenda de redemocratização do país, defender a participação de mulheres e defender a diversidade de agendas, de bandeiras, de conteúdo progressista, disputando a democracia radical que possa ser alternativa ao capitalismo colocado na vida do país.
Estamos aqui contando a história do seu avô, que visivelmente te emociona. Vindo também de um processo demorado para que chegasse ao lançamento, o filme foi, como muitos defendem, diversas vezes censurado. Qual é o papel da arte para que a democracia não se perca?
É um fundamento. Foi através da cultura que povos, sujeitos, territórios, sistematicamente vilipendiados puderam se afirmar. Eu tenho convicção profunda que a cultura, assim como a arte – a cultura no seu sentido ampliado -é capaz de inventar mundos. Eu acredito nessa capacidade de imaginar, inventar saídas, afirmar sujeitos em contextos de opressão, mas eu falaria uma última coisa. A cultura é afirmação da identidade, ou seja, daquilo que nós somos como um sujeito articulado ao ethos coletivo.
Então, acredito muito na capacidade de formulação e formação de comunidades que a cultura tem. Então, num Brasil que é convocado a sucumbir em uma agenda ultra neoliberal do empreendedorismo, do empresário de si mesmo, de morte, a gente inventa e faz arranjos comunitários de imaginação, de narração de histórias, convocação de linguagem, de proteção da vida e da afirmação de que somos talvez as armas mais preciosas, vivas e potentes que a gente tem pela frente.