“A gente entende que o Censo é para a melhoria da vida das pessoas”, destaca Cassius Fonseca, liderança do Quilombo do Barranco de São Benedito, que acaba de ser recenseado em Manaus
(Foto: Divulgação)
"Você se considera quilombola?". Pela primeira vez em um recenseamento os brasileiros poderão responder a esta pergunta. Para dar visibilidade à questão inédita e sensibilizar as lideranças e comunidades quilombolas a responderem ao Censo, o IBGE realizou nesta quarta-feira, dia 17, o Dia de Mobilização do Censo Quilombola em diferentes territórios quilombolas do país.
No Amazonas, o IBGE realizou a mobilização na comunidade do Quilombo do Barranco de São Benedito, localizada na Praça 14 de janeiro, Zona Centro-Sul de Manaus. Assim como no questionário destinado aos povos indígenas, na abordagem aos quilombolas há abertura restrita de quesitos quando o recenseador se encontrar em uma área quilombola prémapeada pelo IBGE. A pergunta que surgirá no DMC será: “Você se considera quilombola?” Se a resposta for positiva, o informante deverá responder ainda o nome de sua comunidade. Com essas respostas, será conhecido o número de quilombolas existentes no país e a que comunidades pertencem. E será possível desagregar os resultados do Censo referentes aos quilombolas, o que permitirá estabelecer comparações com o restante da população.
No Amazonas, de acordo com dados da Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os Quilombolas, de 2019, havia dois territórios quilombolas oficialmente delimitados e definidos em setores censitários. Já os agrupamentos quilombolas, eram 171, e outras localidades quilombolas eram 11, totalizando 184 localidades, no Estado.
De acordo com as estimativas do IBGE, de 2019, havia 10 municípios do Amazonas com localidades quilombolas. Censo no Quilombo do Barranco de São Benedito, em Manaus Cassius Fonseca é da 5ª geração da família, e vive no mesmo domicílio desde que nasceu, há 56 anos. Para ele, poder, pela primeira vez, reconhecer-se quilombola no Censo Demográfico representa “não apenas a autoidentificação como descendente de pessoas escravizadas, mas também poder transmitir uma gama de informações, que, para nós na questão da saúde, educação, saneamento básico, segurança, etc., é muito importante que cheguem aos governantes”.
Cassius ressalta que o Censo, que acaba de ser realizado na sua comunidade, será muito importante “para sabermos quantos quilombos existem no país, quantos quilombolas, o que pode ser feito, projetos sociais que podem ser feitos, e que esses projetos se transformem em leis e beneficiem não só a população negra quilombola, mas os povos indígenas e a população do nosso país de modo geral, para a melhoria da vida dessas pessoas”, destaca. Nesse sentido, Cassius explica que a população negra é mais acometida por problemas de saúde como diabetes, hipertensão, doenças falsiformes, então, ele espera “que, com os números do Censo, os governantes verifiquem os investimentos que precisam ser feitos na área da saúde e da educação também, que é fundamental para todos”.
Sobre o Quilombo
O Quilombo foi oficializado pela Fundação Palmares em 2014, como Quilombo do Barranco de São Benedito, o segundo quilombo urbano reconhecido no Brasil. Antes, o local se chamava “Comunidade Negra de São Benedito”. A mudança ocorreu em 2013, após intervenção do Ministério Público Federal que visitou a comunidade e explicou para as lideranças que era possível fazer a certificação enquanto remanescentes de quilombo. Depois iniciou-se um movimento para documentar a história do quilombo, dos ancestrais, da vivência e da cultura. A família Fonseca vive no Centro de Manaus há 132 anos, desde a chegada da matriarca da família, dona Maria Severa Fonseca, tataravó de Cassius. Maria foi uma mulher escravizada que migrou do Maranhão para Manaus no final do século XIX. Hoje, seus descendentes formam um grande clã, e parte dele, 25 famílias, somando cerca de 130 pessoas, vivem no Quilombo do Barranco de São Benedito, localizado no bairro da Praça 14. Grupos culturalmente diferenciados Os povos e comunidades tradicionais são definidos no Decreto 6.040/2007 como grupos culturalmente diferenciados que têm suas próprias formas de organização social.
Os territórios e recursos naturais pertencentes a esses povos são necessários para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovação e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Dentre esses povos etnicamente diferenciados estão os indígenas e os quilombolas, cujos dados serão levantados pelo Censo 2022. É apenas por meio desse estudo, que faz uma varredura completa do território nacional, que é possível ter uma captura mais completa e detalhada desses grupos. Para o IBGE, que segue normativas nacionais e internacionais, quilombola ou indígena é a pessoa que assim se identifica.
A pergunta de identidade étnica para indígenas apareceu pela primeira vez no Censo de 1991 e manteve-se nos Censos seguintes (2000 e 2010). No Censo realizado em 2010, houve um aprimoramento da pesquisa em relação a essa população, com a inclusão de perguntas sobre pertencimento étnico, línguas indígenas faladas e se falava português.
O quesito cor ou raça foi transferido do questionário da amostra (parte dos domicílios) para o do universo (total dos domicílios), o que melhora a captação dessa característica. Foi a primeira vez que esses temas foram levantados pela pesquisa. Essa inclusão representou uma evolução na caracterização demográfica, étnica e linguística da população indígena e gerou demandas por informações mais detalhadas referentes tanto aos indígenas quanto aos quilombolas. Consulta prévia Para a preparação do projeto técnico de povos e comunidades tradicionais, foram realizadas consultas públicas com as organizações indígenas e quilombolas, em quatro etapas presenciais e, durante a pandemia, os encontros passaram a ser virtuais. Já com os representantes dos povos indígenas, foram duas etapas entre 2018 e 2019, além da participação em audiências públicas em sete localidades do país.
Para que a dimensão informativa da consulta pública seja ainda mais abrangente, em todas as localidades indígenas quilombolas do país, os recenseadores realizarão uma reunião de abordagem com a liderança comunitária antes de iniciar a coleta. Nesse momento, o Censo será apresentado para todas as lideranças, que poderão tirar dúvidas sobre a pesquisa. O projeto técnico de povos e comunidades tradicionais, que tem como base seis pilares (questionários, base territorial, treinamento, sensibilização, coleta e garantia de cobertura e divulgação dos resultados), além de ter a participação de representantes desses grupos étnicos, contou com cooperações interinstitucionais, a exemplo da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), da Fundação Cultural Palmares, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Treinamento diferenciado Antes da coleta, os profissionais que vão trabalhar nas áreas de povos e comunidades tradicionais receberão um dia a mais de treinamento para realizar as práticas de abordagem e aprenderem mais sobre as normas de conduta adequadas àquele território.
O treinamento das equipes de coleta para atuação em áreas de Povos e Comunidades Tradicionais envolve os conceitos relacionados à metodologia do Censo junto a indígenas e quilombolas, o uso de mapas específicos para essas áreas, as orientações de conduta nos territórios tradicionais e as orientações para aplicação do Questionário de Abordagem Indígena e para aplicar as adaptações metodológicas previstas para os questionários domiciliares.