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Quase amazonenses: Ken e Linda Nishikido fazem parte dos 114 anos de imigração japonesa no Brasil

Conheça história e sonhos do casal que há anos se dedica ao ensino da língua japonesa em Manaus

Aruana Brianezi
18/06/2022 às 12:01.
Atualizado em 18/06/2022 às 12:05

Ken e Linda Nishikido têm dois filhos que também já deram aula de japonês. E uma neta, que hoje aprende a língua (Foto: Junio Matos/A Crítica)

O ano era 1908. O dia, 18 de junho. No porto de Santos desembarcaram do navio japonês Kasato Maru os primeiros 781 imigrantes a chegar ao Brasil vindos do Japão. Começava ali uma história repleta de aventuras, força de vontade e que misturou o que há de melhor nos dois países ao longo desses 114 anos. 

Parte dessa história é contada hoje pelo casal Ken e Linda Nishikido. Eles estão entre os mais de 1,6 milhões de japoneses e descendentes vivendo no Brasil atualmente. O casal mora em Manaus, onde há anos se dedica ao ensino da língua japonesa.

Ken e Linda são representantes da segunda grande etapa da imigração japonesa para o Brasil, que começou na década de 50, com o fim da Segunda Guerra Mundial. O conflito, do qual o Japão saiu derrotado, mudou a história desses imigrantes. Se, até então, havia a expectativa de retornar ao país de origem, o resultado da guerra sacramentou a permanência definitiva no Brasil, como explica a pesquisadora Célia Sakurai em sua tese de doutorado “Imigração tutelada: os japoneses no Brasil”.

Superlotação

Os pais de Ken, Rihei e Sue Nishikido, migraram já com essa meta: a de encontrar um novo lar, uma alternativa ao superlotado Japão, que “de uma hora para outra” recebeu seis milhões de cidadãos que viviam em colônias fora do país. 
Rihei, que havia imigrado para a Manchúria, foi levado como prisioneiro de guerra para a gelada Sibéria. Libertado, resolveu imigrar para o Amazonas, que era quente o ano inteiro. “Ele queria fugir do frio”, conta Ken, que aos sete anos enfrentou com pais e irmãos uma viagem de 33 dias até Belém.


Rihei Nishikido escolheu o Amazonas para viver após quase congelar na Sibéria (Foto: Arquivo pessoal)

Inesquecível

Ken se lembra que foi na capital do Pará que viveu um dos momentos mais dramáticos da viagem e seu primeiro choque cultural. Ali, as 17 famílias que viajavam juntas tiveram que trocar o navio por um barco regional para seguir adiante. A mudança de embarcação, marcada pelo medo de atravessar as pontes improvisadas para alcançar o barco, representou também uma guinada abrupta na alimentação. Em vez da comida japonesa consumida até então, a segunda etapa da viagem só tinha comida brasileira.

Foi uma semana de sufoco, subindo o rio Amazonas até Manaus, de onde partiram no dia seguinte para a recém criada Colônia Efigênio Sales. No barco, os pratos fartos, mas com alimentos todos misturados formando uma maçaroca, ensinaram ao menino japonês uma lição: comida brasileira é para se consumir de olhos fechados (“porque é feia, mas saborosa”).

E era de olhos fechados, também, que o pequeno imigrante imaginava sua nova vida, embalado pela promessa do pai de que ganharia um macaco ao chegar a Manaus. Rihei cumpriu o trato e o macaco foi uma das distrações dos Nishikido nos primeiros anos de sua nova vida. 


Na Efigênio Sales, Ken e o irmão brincam com o presente de imigração (Foto: Arquivo pessoal)

Lamparina

Na Colônia Efigênio Sales, Rihei colocou em prática técnicas agrícolas que faziam parte de sua formação acadêmica, construiu a própria casa e “estragou” os olhos fazendo ao fim de cada dia, durante anos, a contabilidade da cooperativa à luz de lamparina. E foi à luz de lamparina, ainda mergulhado na cultura japonesa, que seu filho, Ken, viveu e estudou até os 13 anos. 

Para seguir os estudos, os adolescentes da família foram mandados para Manaus. “Eu falava basicamente japonês. Levei um ano para me adaptar ao Português”, conta Ken. E a adaptação foi tão bem sucedida que hoje ele é o único tradutor ad hoc do Amazonas e uma referência no ensino da língua japonesa, profissão que exerce desde 1986. 

Formado em Engenharia Civil, Ken começou a dar aulas após trabalhar na reforma da Associação Nipo-Brasileira da Amazônia Ocidental (Nippaku) como engenheiro civil. O  então presidente da Associação, percebendo a facilidade com que ele se comunicava com os operários da obra, lançou o convite que moldaria a vida de Ken até os dias de hoje.

Acordo assegurou imigração

Em 18 de junho de 1908 o navio Kasato Maru chegou em Santos após 52 dias de viagem. A bordo, trazia 781 imigrantes vinculados ao acordo estabelecido entre Brasil e Japão, além de 12 passageiros independentes. No Japão, as tensões sociais pelo alto índice demográfico só aumentavam. E no Brasil, crescia a necessidade de mão-de-obra para trabalhar nas fazendas de café, principalmente em São Paulo e no norte do Paraná. *Fonte:  Revista Galileu

Colônias: novo lar

Localizada na AM-010 (que liga Manaus a Itacoatiara), a Colônia Efigênio Sales foi o primeiro assentamento japonês na capital do AM. Nas colônias, as associações comunitárias promoviam esportes tradicionais (sumô, judô, beisebol), peças e coral de música em japonês, além de publicar jornais e boletins.

Capital do ensino de língua japonesa

Ken e Linda Nishikido há décadas dedicam-se ao ensino da língua japonesa. Hoje os dois falam com orgulho de viver e trabalhar em Manaus, cidade onde funciona a instituição com maior número de alunos de japonês em todo o Brasil.

Na Nippaku Manaus (Associação Nipo-Brasileira da Amazônia Ocidental), mais de 80% destes estudantes são brasileiros não descendentes de japoneses (a conta considera até a quinta geração). A escola já chegou a ter mais de 700 alunos matriculados simultaneamente. Hoje, a média por semestre é de 500 alunos.

Para Ken, o sucesso se deve à qualidade dos professores, que além de dominarem a língua, conseguem motivar os alunos a seguirem adiante nos estudos. Ele, que dá aulas desde 1986, foi presidente da Nippaku de 2008 a março deste ano.

Manaus é também a única cidade do País que tem escolas públicas bilíngues japonês-português. E as unidades, uma de ensino médio e outra fundamental, podem em breve ganhar “reforço”. Segundo apurou A Crítica, há interesse tanto do Estado quanto da prefeitura em ampliar a rede bilíngue.

Para o casal, além de ser uma excelente oportunidade de carreira para os brasileiros, o aprendizado da língua japonesa cumpre também outra função: a de estimular valores da cultura japonesa como disciplina e senso de comunidade.

Museu é  sonho para o ano do centenário 

Filha dos imigrantes Nobuyoshi e Tatsuko Tsuji, que se conheceram no navio que os trouxe ao Brasil, Linda leva na certidão de nascimento uma homenagem à floresta. Midori, seu segundo nome, quer dizer verde. Ela, que viveu seus primeiros anos imersa na cultura japonesa, na colônia Bela Vista, hoje alimenta o sonho de erguer em Manaus um museu para contar a história da imigração.


Panela, chamada kama foi muito útil para imigrantes pois seu formato se encaixava no fogão improvisado com tijolos (Foto: Álbum de família)

Em seu mestrado em Letras pela Universidade de São Paulo, Linda registrou a memória dos imigrantes a partir de relatos sobre alimentação. Ela mostra como eles reconstruíram sua história adaptando ingredientes regionais a preparos típicos do Japão, criando receitas como o shôyu de tucupi e o miso de feijão de praia.

Agora, em nova pós-graduação, escolheu a área de museografia, pois pretende ajudar a tirar do papel projeto antigo da Nippaku, que é fazer um museu da imigração japonesa. O casal conta que já existe um terreno propício para o museu, mas que é preciso escrever um bom projeto para captar a verba necessária à obra e posterior manutenção.

Coordenadora do curso de Letras - Língua e Literatura Japonesa da Universidade Federal do Amazonas, Linda revela que já há alguns imigrantes e descendentes envolvidos no projeto. Agora vão buscar mais adesão da colônia japonesa para, quem sabe, ter algo concreto sobre o museu para marcar o ano de 2029, quando se completa um século da imigração japonesa na Amazônia.

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