Zona Franca

Se não houver salvaguarda, não tem como manter as empresas aqui, afirma economista

Doutor em Desenvolvimento afirma que a política adotada pelo governo federal de redução do IPI, sem poupar a ZFM, levará ao esvaziamento do PIM

Maria Luiza Dacio
16/04/2022 às 09:11.
Atualizado em 16/04/2022 às 09:11

(Foto: Gilson Mello/Free lancer)

Doutor em Desenvolvimento, e professor aposentado de Economia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), José Alberto da Costa Machado, classificou de “balela” o discurso do ministro Paulo Guedes de que o corte do IPI de forma linear (sem exceção), medida que prejudica a Zona Franca de Manaus (ZFM), levará à reindustrialização do Brasil.

Para o economista, a redução do imposto prejudica diretamente o Polo Industrial de Manaus e ainda pode levar as empresas, no final das contas, a se mudarem para outros países, e citou como um dos destinos o Paraguai. “Não é uma questão de profecia. As empresas vão fazer contas. Diminuiu 20% do IPI. Na hora que chegar o momento em que elas perceberem que é melhor pagar IPI e fabricar perto do mercado consumidor deles, eles não vão ter razão pra ficar aqui”. A seguir a entrevista com o economista. 

Quais são os efeitos e os riscos para a ZFM do decreto que reduz o IPI?

A atratividade para o investimento aqui na Zona Franca de Manaus é dependente das diferenças de tributos que as empresas pagam para ter uma fábrica fora da Zona Franca de Manaus e aquilo que pagam para estar aqui. Quando diminui o IPI, ou os impostos que elas têm que pagar fora da Zona Franca de Manaus em relação aquilo que ela deixa de pagar aqui, essa atratividade diminui. 

Ou seja, para que eles escolham fazer uma fábrica aqui na Zona Franca de Manaus ao invés de botar lá em São Paulo ou perto do mercado do consumidor deles, precisam saber qual é o custo que eles têm de tributar. Se eles tem um determinado percentual de tributo, eles fazem conta pra saber se é mais barato, se eles vão pagar mais com logística, com frete, com a armazenagem e com as dificuldades naturais de produção ou se é melhor eles pagarem o imposto que é requerido pela mercadoria e fazer lá no sul do país mesmo. 

Então, dito de outra forma, cada vez que diminui o tributo das empresas, sobretudo no caso do IPI de um produto que é fabricado na Zona Franca de Manaus, as fábricas que produzem esse produto aqui perdem atratividade para o negócio, ou seja, fica mais barato a empresa produzir fora da Zona Franca de Manaus do que aqui

O presidente do CIEAM, Wilson Perico, avaliou que de um a dois anos haverá debandada de empresas do PIM se o corte do IPI se mantiver da forma que está no decreto. Isso é verdade?

Não é uma questão de profecia. As empresas vão fazer contas. Diminuiu 20% do IPI. Na hora que chegar o momento em que elas perceberem que é melhor pagar IPI e fabricar perto do mercado consumidor deles, eles não vão ter razão pra ficar aqui. E como essa parece ser uma política do Ministério da Economia, parece ser um ideário econômico de diminuir esses tributos, se prosseguir dessa forma, o resultado é algo tido como claro. Se não houver ressalvas se não houver salvaguarda para manter as diferenças relacionadas com o tributo que é pago aqui na Zona Franca de Manaus, não tem como manter as empresas aqui. É uma questão de contas.

O presidente do CIEAM também disse que essa medida acaba travando novos projetos porque os investidores ficam com receio. Procede?

Absolutamente certo. As empresas fazem o seu orçamento de investimento. A partir deste ano, nesse momento, elas estão começando a preparar os investimentos que elas vão fazer para o ano e os que vão fazer no segundo semestre para dar suporte à demanda que vai ocorrer por causa da Copa do Mundo e por causa do Natal. Essas providências já estão em curso. Eles não vão mudar a fábrica daqui para atender esse aumento de demanda que vai ter no final do ano. Porém, para os próximos anos, 2023 em diante, eles vão, quando estiverem preparando o orçamento de investimento para 2023 em diante, vão avaliar, se vão efetivamente fazer novos investimentos aqui, se eles vão ampliar sua renda de produção, se eles vão abrir novas unidades. Com certeza, o horizonte, a expectativa de futuro para eles é fundamental para que eles possam fazer o planejamento de investimento deles.

E o que é levado em consideração em relação à indústria quando é feito essas análises de receios? O que é avaliado?

Primeiramente, acima de tudo no nosso caso, é levado em consideração a segurança jurídica. Ou seja, eles vão verificar se aquilo que temos aqui continua sólido, para que eles apostem nisso, ou seja se a política da Zona Franca vai continuar ou não. Se eles perceberem que não há essa perspectiva, obviamente isso fica abalado. É o que nós chamamos de insegurança jurídica. Para o investimento, a insegurança sobre o que vai acontecer com o investimento, é muito importante. Esse é o principal fator que eles vão examinar. Outras são as demandas de mercado, mas isso acontece para qualquer tipo de local que a gente esteja.

O Polo de Refrigerantes (concentrados) sobreviverá aqui em Manaus sem os incentivos?

Se manter desta forma como estão fazendo, ele pega a mesma rota que já tivemos com as outras empresas que saíram daqui. Nós temos aqui no caso do Amazonas ainda algumas coisas que dizem respeito à matérias-primas regionais, como é o caso da Coca-Cola, é o caso do guaraná, o caso do açúcar mascavo e etc. Mas as empresas vão fazer conta. E como a diferença no caso desse segmento é muito grande, e também aqueles que concorrem com esse polo de concentrado aqui são muito ativos, mesmo as empresas que nós temos ainda do polo de concentrados aqui vão avaliar. Empresas que ainda tenham um suprimento importante de matéria-prima, talvez por uma questão de associar a marca, proteção da Amazônia, elas têm ainda boas razões para ficar por aqui. Mas isso também tem um limite. Proteger a Amazônia tem um limite que é o custo.

Paulo Guedes afirma que essas medidas vão levar a indústria a se modernizar. É isso mesmo?

Não. Naturalmente ele tem um modelo de reflexão quando se trata de uma economia que tem competitividade, que não tem os problemas como no caso que a economia brasileira tem, que são outros custos de produtividade, mão de obra,  custos de logística. O custo do Brasil como um todo. A simples retirada de tributos não quer dizer que a produção que é feita aqui vai lá pro sul do país. Ela vai procurar um outro local onde ela possa vender mais barato. Por exemplo,  o Paraguai é um bom destino para eles. Eles tão bem perto do mercado consumidor do país e ao invés de irem para São Paulo, eles vão para lá pro Paraguai ou outro polo de produção onde eles têm essa liberação de incentivos. 

Agora, no nosso caso particularmente, tem esse pensamento do Guedes. É um pensamento esdrúxulo porque ele não se dá conta que nós estamos falando aqui de um agregado econômico que representa no total apenas 1,5% do PIB do Brasil. Ou seja, é uma coisa muito pequena para criar problema para economia brasileira, uma economia  com PIB tão gigantesco não poderia ser atropelado, criar problema por uma economia do tamanho da nossa que é de 1,5%.  

E mais. Quando falamos da indústria especificamente, essa questão é mais séria porque a participação da indústria de transformação do Amazonas é em torno de 3,1% do total das indústrias brasileiras. E considerando que essa indústria tem ainda a indústria de óleo e gás, que é o petróleo. Então, a indústria incentivada, aquela da Zona Franca de Manaus, aquelas dos eletroeletrônicos que tem é muito insignificante. Agora a indústria de transformação do Amazonas em 2019 representa 3,1% de toda a indústria nacional brasileira. Isso é irrisório quando a gente pensa em termos do problema de ineficiência na indústria brasileira. Sendo que, apesar desse diminuto significado no total da nossa indústria de transformação, no Amazonas ela é a que mais agrega valor ao PIB. 

Em 2019, a nossa indústria aqui agregou 26,3% enquanto no resto do Brasil foi apenas 12%. Ou seja, apesar de pequena, o impacto que a nossa indústria tem na indústria nacional é de quase três vezes mais agregação de valor do que o resto da indústria nacional. Então, isso é balela do ministro para dizer que a gente não tem eficiência aqui. Primeiro porque é pequeno, muito pequeno, não tem nenhuma possibilidade de afetar a economia nacional como referência a isso.

Quais efeitos tem a redução do IPI pro resto do país?

Se torna mais barata a produção dele no resto do país. Eles certamente vão ter formas mais baratas de produzir. Agora se eles vão ficar no Brasil é que vai ser diferente. Talvez até vão para outra parte. Mas com certeza deixa de ser mais atrativo produzir aqui.

Quem ganha e quem perde com essas medidas defendidas por Paulo  Guedes de corte de incentivos fiscais para a indústria?

Quem vai ganhar com excelência com isso é o resto da indústria nacional que vai ou produzir lá fora ou vai sair e vai produzir fora do Brasil e naturalmente é reduzido o custo. Quem perde somos nós, obviamente, quem perde somos nós. Não temos nenhum mecanismo de compensação aqui com referência a perdas. Se sair, saiu. A não ser que tenha algum tipo de salvaguarda, mas quem perde tenho certeza que seremos nós.

É só o Brasil que adota uma política econômica diferenciada para regiões tão desiguais (como a Amazônia que tem a ZFM)?

Não. Isso é uma política comum em todos os grandes países que têm desigualdades econômicas no seu território para desenvolverem uma determinada região. Aí, isso é uma política comum dos grandes países como China, Alemanha, Estados Unidos, e em todo mundo. 

Essas medidas têm potencial para provocar os esvaziamento das empresas do PIM? Como ficaria o Etado do Amazonas?

Com certeza. Não precisa ser nenhum profeta. Isso é simples. É mais caro produzir aqui do que lá fora. Eles vão vir pra cá por quê? Por que amam a Amazônia? De forma alguma! Ninguém está aqui na zona franca de Manaus por amar a Amazônia. Está aqui porque é mais barato produzir aqui. Só isso.

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