Crônica: Vinte Vinte Um

Em sua crônica deste mês, a escritora Myriam Scotti fala sobre o novo livro do poeta Carlos Almir Ferreira

Bem Viver Blog
13/09/2021 às 21:49.
Atualizado em 24/03/2022 às 21:48

Por Myriam Scotti

QUEM?

Você quer que eu covid quem?

Já sei

Pode ser alguém que saiba aplicar vacina,

Que estude medicina,

Que compre cloroquina,

Ivermectina,

Que tome tubaína,

Que saiba de cor Morte e Vida Severina.

Depois, vou fazer uma festa do pijama clandestina,

Bem agitada e sacana,

Na UTI de um hospital da rede Sul-americana

São com esses versos desconcertantes que somos recepcionados pelo mais novo livro do poeta Carlos Almir Ferreira, Vinte Vinte Um, lançado pela editora paulista Penalux. A obra, escrita durante a pandemia e depois de sofrer a perda de seu pai, é dividida em dois capítulos. O primeiro, na verdade, é um grito de revolta e indignação contra toda a realidade distópica e pandêmica que o mundo vem experimentando, desde março de 2020. No segundo capítulo, o eu-lírico expõe a tristeza, entretanto, ora mesclada às memórias, ora às fagulhas de esperança, quase uma advertência de que é preciso continuar, apesar de...

Acompanho o trabalho de Carlos Almir há algum tempo e, mais uma vez, sua sensibilidade poética está em cada verso, em cada poema, em cada página. Escrever poesia, ao contrário do que muitos imaginam, não demanda inspiração e sim talento e trabalho artesanal. Para sair do lugar comum, do ordinário, é preciso ter habilidade para desviar a palavra do sentido tradicional e transformá-la em poesia. Por isso, não há tema que não possa se transformar em verso. Mas nem todo mundo pode se autodenominar poeta. Essa arte pertence àqueles que o simples prosear não dá conta. Obrigada, Carlos, por mais esse livro bonito.

Portanto, queridos leitores, convido a todos para conhecer e prestigiar a literatura amazonense. Vinte Vinte Um pode ser adquirido com o próprio autor, por meio de suas redes sociais.

Deixo, ao final, mais um poema para aguçar a curiosidade. Até mês que vem!

Lado a lado

Queria dar uma volta por aí ao teu lado

Sentir o dia como os namorados

Sem a máscara da agonia

Sem esse novo normal assustado

Queria poder viver de novo

Sem essa nostalgia

Ir ao cinema despreocupado

Depois ficar num bar lotado

até nascer o dia

Viver a vida sem tantos dilemas

Lockdown, quarentenas...

Mas, por outro lado, tem o dono do bar

O dono do cinema

Seus familiares e empregados

E suas famílias

É a fome e a pandemia lado a lado

Se ficar o vírus pega se correr morre de fome

 

Perfil

Myriam Scotti

É escritora, poeta e mestranda em literatura e crítica literária pela PUC-SP. Em abril, lançou seu novo romance “Terra Úmida”, vencedor do prêmio literário de Manaus 2020.

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