Artigos de Domingo - 28.02.2016
Há quatro meses me divido, na jornada diária, entre o Centro e o Vieiralves. Questões pessoais me levaram a uma nova rotina, após a partida de meu pai. E é inevitável fazer comparações. Voltei a morar no Centro dezoito anos atrás e agora me vejo no dia-a-dia de um dos bairros da cidade em que a especulação imobiliária estabelece novas frentes de moradia e de serviços. Todo mundo conhece a área hoje pela vida noturna. Já se vão uns cinco a seis anos, quando o centro teve esse vigor, que agora transforma as ruas Rio Branco, Acre e perpendiculares. Antes, Chefão, Viúva e Botequim, na Ferreira Pena e Barroso, prometiam gerar no centro histórico uma nova dinâmica – o que não vingou! Dois deles fecharam e nada de mais expressivo surgiu. O que aconteceu? Faltou visão de oportunidade dos empresários? Política pública de estímulo? No Vieralves é diferente, todo dia surge um novo lugar de entretenimento, focando diferentes segmentos, com formatos distintos. Isso sem falar na questão da moradia, o que transforma a área em um dos objetos de desejo da classe média. As casas, em geral, viraram estabelecimentos comerciais, enquanto as grandes torres se tornam os novos complexos residenciais. Em conseqüência, uma rede de serviços, de supermercados a pequenas lojas de conveniência, surge como apoio a essa nova formatação. O bairro é outro. Lembro que, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, o Executivo Municipal realizou esforços para tornar algumas ruas, em especial, a João Valério, num corredor comercial. Passada a empolgação inicial, a proposta não deu certo, as lojas andaram à míngua. E só aconteceu com a natural mudança do uso do solo no bairro, tanto com as moradias, quanto com a vida noturna. E a cidade floresce. A experiência mostra que não basta o Poder Público estabelecer, dizer que vai fazer. É preciso que a cidade compre a ideia, aceite a proposta e se movimente em torno do assunto. O Vieralves talvez seja um sucesso por isso. E ele é geograficamente segmentado. A área dos prédios mais caros, outras vias com prédios mais acessíveis, em termos de preço, os conglomerados comerciais. Tem até o Manauense, um conjunto residencial que guarda uma memória bacana da Manaus dos anos 70/80. As ruas todas limpinhas, arborizadas, com cheiro de moradia feliz. Desconheço qualquer iniciativa de estímulo à ocupação do bairro, uma política pública ou ações coordenadas, com objetivos e metas. Mas independentemente disso, o bairro está dando certo. E talvez seja a hora do Poder Público enxergar isso e fazer a sua parte. Que tal resolver o gargalo no trânsito da João Valério? E a iluminação pública reforçada? A sinalização das ruas, inclusive com placas indicativas do nome e da numeração da via? Um trato nas calçadas, permitindo melhor mobilidade ao pedestre, pode ser? Quem sabe uma atenção maior no licenciamento de obras?! A cidade já fez sua parte, já renasceu. É hora da autoridade enxergar isso e arregaçar as mangas. Gostaria muito que o Centro estivesse numa situação parecida. São tão próximos. Em quinze, vinte minutos, se vai de um bairro a outro. Mas essa igualdade não tem nada de verdade. Lá no Centrão, onde mora meu coração e toda a história da cidade, muitos desafios já foram vencidos, alguns tidos como insolúveis, como a retirada de ambulantes e a reoxigenação das calçadas da Eduardo Ribeiro. Mas falta vida. E essa vida só retornará com o estímulo à moradia. As pessoas tem que habitar, para ter compromisso.