Menos de um por cento

Por Taciano Soares, ator, diretor, produtor cultural, professor universitário, Mestre em Cultura e Sociedade e Doutorando em Artes Cênicas pela UFBA.

Taciano Soares
11/01/2020 às 15:13.
Atualizado em 24/03/2022 às 22:09

A gente não é muito ensinado a falar e pensar orçamento, não é? Imagina se nas escolas aprendêssemos sobre orçamento familiar, divisão de receitas e despesas, as fatias do bolo e todos os outros nomes correlatos? Imagina como seria se ao invés de deduzirmos, soubéssemos minimamente como se dá a gestão financeira? Será que isso teria algum impacto sobre o modo como elegemos nossos representantes políticos ou melhor, como acompanharíamos o trabalho deles na gestão dos nossos recursos?

Esse desejo (mais parecido com um sonho) tem uma raiz bem visível na nossa sociedade: o desconhecimento da forma de gestão do recurso público imprime uma série de opiniões cavernosas quando algum assunto de calamidade pública, principalmente nas áreas como saúde e educação vem à tona. 

Como assim? Eu explico.

Quem nunca viu um amigo ou uma amiga comentando sobre que “tem dinheiro pra festa, mas não tem dinheiro pra educação”? (Como se Cultura fosse sinônimo de festa ou se reduzisse a tal) Ou, ainda, um “pra que artista se tem gente sem emprego, passando fome”? Essas torrenciais aberrações são, nada mais, que um sintoma bem comum em países, como o Brasil, onde a população não é ensinada a compreender a participação e a divisão dos recursos públicos em áreas múltiplas, proporcionalmente às necessidades (segundo cálculos que nem representam a realidade) de cada setor. Ou seja, o orçamento não é repartido de maneira igual: ele é relativizado e isso é revisado de tempos em tempos.

Imaginemos que a receita pública é um bolo e existem muitos para comê-lo, dentro de uma casa. Uns mais velhos, outros mais novos, uns com mais fome e outros com menos fome, uns com necessidades específicas diferente de outros. Bem, assim é o orçamento. Para sermos mais claros: cada área (saúde, educação, cultura, esporte, etc.) recebe uma porcentagem para ser aplicada, a partir da análise dos investimentos do ano anterior, do que efetivamente foi empregado em termos de recursos e o que faltou. Isso significa que: não se dá mais a quem precisa de menos e vice-versa, mas programa-se a repartição orçamentária, atendendo a um planejamento realizado anualmente.

Dessa forma, temos a clareza que democraticamente e com a competência de quem elabora o orçamento público todas as áreas serão contempladas com suas respectivas necessidades de investimento, de maneira que os direitos fundamentais do cidadão, assegurados na Constituição Federal, serão atendidos proporcionalmente às suas particularidades. Na prática temos visto algo um pouco diferente.

Se falta recursos para a área X, garanto aos senhores e senhoras leitores, que não é culpa da área Y. Há aqui a necessidade de revisão na gestão do orçamento público, a fim de identificar o que o planejamento não tem alcançado para a execução. Por isso, essas afirmativas chegam a se tornar irresponsáveis na tentativa de culpabilizar ou mesmo punir a área da Cultura com argumentos frágeis e que não enxergam o real problema da questão.

Mas por que a Cultura é uma das primeiras áreas a ser considerada nessa guilhotina orçamentária? Nossa frágil formação nos distancia das experiências reflexivas, com isso não percebemos que sem a participação cultural, tornamo-nos menos capazes de desenvolver senso crítico para, inclusive, reivindicar as proporcionalidades daquilo que nos é garantido na jurisprudência federal. A Cultura tratada como inferior é um verdadeiro atestado de falibilidade da organização pública. Por se tratar da nossa própria identidade, ela não sucumbe, apenas se reinventa e resiste às mazelas da cegueira social.

Falando em números: Vocês sabem qual o percentual que a pasta da Cultura obteve no último ano, considerando o planejamento apresentado nas Leis Orçamentárias Anuais das três esferas? Na federal o valor destinado, de toda a receita da Federação, não passou de 0,08%, no Estado do Amazonas chegou a, no máximo, 0,6% e no Município de Manaus foi estimada em 0,8%. Seria diminuindo ainda mais essa participação que resolveríamos os problemas da gestão orçamentária pública?

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