O trem desgovernado da Cultura

Por Taciano Soares, ator, diretor, produtor cultural, professor universitário, Mestre em Cultura e Sociedade e Doutorando em Artes Cênicas pela UFBA.

Taciano Soares
30/01/2021 às 18:30.
Atualizado em 24/03/2022 às 21:58

Há algum tempo vemos acontecer um verdadeiro sucateamento da Cultura e dos seus espaços de gerenciamento. O poder público vez ou outra demonstra o que (pouco) sabe sobre a pasta e rivaliza com o setor, através de ações que denotam, se não um total despreparo da gestão, mas certamente uma simbólica e articulada sentinela do desmantelamento dos bens culturais e dispersão dos recursos do seu real e necessário fim: o fomento às manifestações, diversidade, acesso e consumo culturais.

Recentemente os artistas e produtores culturais de Manaus foram surpreendidos com a nomeação de ex-vereadores que não conseguiram renovar seus mandatos, conforme o desejo popular. Como se isso ainda não fosse o suficiente, os mesmos possuem em suas trajetórias nenhuma relação com as necessidades básicas para a gestão pública da cultura e ainda, ao serem confrontados legitimamente pela sociedade civil organizada, confirmaram a teoria que nada (ou quase nada) sabem sobre suas funções, meios de trabalho e, principalmente, as dimensões da cultura.

Ao contrário do que a ignorância apregoa quando se sente pressionada a refletir e debater, as cobranças feitas por artistas, produtores, gestores e pesquisadores da cadeia produtiva da cultura manauara se pautam na necessidade de assunção que não é possível, em pleno século XXI, vivermos ainda sob a tutela do apadrinhamento politico com cargos – promessas de campanha ou outros joguetes assim. Presenciamos uma estrutura arcaica que ainda utiliza espaços sérios, construídos a muitas mãos e sob muito debate, em favor dessa violência com a gestão pública da cultura.

O que pensar de um sistema que privilegia figuras que ao assumirem lugares de relevância no pensamento/planejamento/elaboração das políticas públicas para a cultura da cidade de Manaus, desconhecem completamente o que vem a ser o objetivo da pasta, os meios de trabalho, a mínima (e relevante!) elaboração de um programa de ações e projetos para o desenvolvimento cultural municipal?

O que se espera de um profissional que ocupa espaços como esse é, no mínimo, discurso e propostas amadurecidas de maneira que, respeitando o trabalho realizado anteriormente, possa dar prosseguimento às identidades na política cultural do município que foram (e ainda estão) sendo construídas. É necessário promover a ampliação do diálogo, apontando novos horizontes, conduzindo de forma participativa para um norte que, como agora sabemos, inexiste, porque está encoberto pelo espectro da ignorância dos conhecimentos mínimos para o setor e é somada a um discurso ultrapassado e ineficaz que convida à comunidade a ter calma e faz promessas rasas, como se em um passe de mágica fôssemos transportados para os movimentos que se realizam pré-eleições, com entoação de voz e métrica de fala minimamente pensadas para sugerir à uma ingênua população a falsa sensação de conhecimento de causa e capacidade resolutiva das problemáticas que se apresentam.

O que acontece hoje no cenário da gestão pública cultural de Manaus é caótico. Desrespeita o processo evolutivo da questão pública da cultura, desprivilegia passos maduros que foram dados acerca da emancipação cultural da diversidade produzida e existente na cidade e nos apresenta um cenário desolador, tal como a coisa vem sendo tratada por quem deveria garantir condições minimante dignas para o cumprimento do direito constitucional à Cultura.

Com tantos ataques que o setor vem sofrendo, inclusive na esfera federal, com a transformação do importante Ministério da Cultura em uma pífia Secretaria que tem agido de forma risível nos últimos dois anos, há que se levantar iniciativas para que o mesmo modelo não ganhe forças em Manaus e que se entenda que a Cultura não apenas não se resume à festa, como também não é um campo livre para as artimanhas daqueles mal intencionados que assumem o poder e que se tornam responsáveis e responsabilizados pelas ações em favor da dissolução do real sentido da Cultura. Torçamos para que eles saibam qual é.

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