Parem de confundir assédio com paquera

Por Liege Albuquerque; a autora é mestre em ciências políticas pela USP e jornalista com diploma da UFAM.

Liege Albuquerque
17/02/2020 às 22:12.
Atualizado em 24/03/2022 às 22:08

(Foto: Reprodução)

Nenhuma mulher quer ou gosta de ser tocada sem consentimento. Se gostar, quer ser assediada, mas convém perguntar primeiro porque garanto que é a minoria. Nenhuma mulher quer ser chamada de “gostosa” por alguém que não seja seu namorado ou marido. Se gostar, quer ser assediada, mas convém perguntar primeiro porque garanto que é a minoria. Nenhuma mulher quer ter o braço agarrado numa festa para dar atenção a um bêbado que insiste em conversar com ela, mesmo que a conversa inicie com um aceitável “você é linda demais, sabia?”, que parece inofensivo no início, mas normalmente não acaba sendo. Sempre melhor chegar sem o bafo e sem o toque. Um sorriso é bem-vindo.

Parece simples entender as assertivas acima, mas não tem sido. Não é nada tênue a linha entre a paquera e o assédio, são coisas completamente distintas, muito fácil de entender. Uma é agradável, a outra é inaceitável (para mulheres sem carências mal resolvidas). Dia desses li um trecho absurdo de um artigo da (felizmente) aposentada Danuza Leão que dizia assim: “Quando, no carnaval, vejo um bloco de rua com as moças usando a camiseta “Não é Não”, fico triste com tanta bobagem. Quem não sabe quantas vezes acontece de as coisas começarem com um não e terminarem num radiante sim, ou começarem com um sim e terminarem num decepcionante não?”

Ora, a campanha “Não é não” (assim como a Chega de Fiu Fiu) é bem clara para mulheres adultas, que sabem interpretar um gesto ou um texto, e quem não entende precisa ou de aulas de interpretação de texto ou de amadurecer mesmo. Nenhuma mulher adulta diz não a um primeiro contato quando quer dizer sim, a menos que esteja brincando de Lolita abestalhada ou esteja numa carência desesperada para fazer joguinhos. Então se a mulher diz não, é não. Não insista. O “radiante sim”, acredite, nunca vem de nada forçado, empurrado, intragável, insistente. Mas não vem mesmo, se vier não é natural. E não sou quem está dizendo, são psicanalistas: é doente quem quer impor um primeiro contato à força.

Uma aluna minha me mostrou outro dia assustadoras mensagens de um rapaz que conheceu na festa de um primo, que veio com um papo chato, e ela não sabendo como se livrar, deu o telefone errado (quem nunca?). De algum jeito ele tinha conseguido seu Whats App (o primo jurou que não foi com ele) e estava enviando mensagens de início bem fofas e logo bem ameaçadoras, depois que ela deu uma enrolada (devia ter sido mais direta) dizendo que andava estudando muito.

Depois, ao ser direta, numa frase que não ofenderia a ninguém normal (“Olha, ando estudando muito e não quero me envolver com ninguém agora”), começou a agressividade. “Você tá pensando que é o quê, sua puta? Sei que você já ficou com um monte de gente na facul e tá pensando o quê pra ficar me esnobando?”. Essa foi uma das mensagens (a mais publicável) que a fez ir à Delegacia com os pais fazer um B.O.  Por sorte, era só um adolescente mimado e arrogante que ficou apavorado e levou uma boa chamada do delegado e de seus pais e parou com isso. Ela guarda as mensagens, e tem mais de guardar mesmo.

Vejam bem essa mensagem: o rapaz a chama de “puta” porque ela teve outros namorados. Que ela quis namorar. Como ela não quer namorar com ele é “puta”. Nas primeiras mensagens era “princesa”. Penso que mães de meninos e rapazes têm uma imensa responsabilidade sobre como seus filhos tratam as mulheres. Homens que tratam mulheres mal assim certamente estão imitando como seus pais tratam suas mães, não tenho dúvidas. E também como seus pais foram demonstrando ou “ensinando” como se trata uma mulher: à força, no tapa, no palavreado chulo e deselegante. Mas que murcham ao primeiro grito de um delegado.

Sugiro uma leitura excelente, o “Para educar crianças feministas” de Chimamanda Adichie, que traz conselhos simples de como oferecer uma formação igualitária a todas as crianças, meninas e meninos (aqui uns trechos), o que se inicia pela justa distribuição de tarefas entre pais e mães. A autora só tem um objetivo com seus conselhos lúcidos: atingir quem quer preparar seus filhos para o mundo contemporâneo e contribuir para uma sociedade mais igualitária.

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