RenovaBR não faz lavagem cerebral à direita

Em momento algum, em aula ou exercício prático algum, me senti direcionada a ideologia de “lado”, a quaisquer deles. O curso ensina que política deve servir para tentar construir um país com mais igualdade, diversidade e transparência nas gestões públicas.

Liege Albuquerque
14/12/2019 às 16:05.
Atualizado em 24/03/2022 às 22:10

(Na formatura, sábado passado, tinha turminhas Lula livre e Lula preso. Sem discriminação. )

Quando me inscrevi na seleção do curso de formação de lideranças políticas do RenovaBR estava naqueles momentos que muitos brasileiros já passaram, de considerar que ninguém o representa na política e que você mesmo poderia ser uma parte da solução. Passei a procurar capacitação para ingressar na vida pública e coincidiu de, no início deste ano, estarem abertas as inscrições para o curso de liderança política no Renova BR. Foram vários testes e passei numa seleção entre 31 mil inscritos, onde foram pouco mais de mil selecionados.

Depois do ímpeto, ao refletir sobre a ideia de me candidatar, pesou especialmente uma bem egoísta: que não tenho um espírito público elevado ao ponto de estar disposta a abrir mão do tempo que passo com minha filha para encarar um mandato. Mas, já aprovada, comecei a achar o conteúdo do curso relevante para minha formação cidadã e continuei com empenho, e também curiosidade sobre o mito dos que não fizeram o curso, de que seria voltado apenas a quem tivesse tendências liberais.

Embora não seja filiada a nenhum partido, minha ideologia é mais próxima ao que se chama de centro-esquerda. E continua sendo: o RenovaBR não faz lavagem cerebral transformando simpatizantes do socialismo em liberais. Essa é a ideia de quem, de fora, vê o curso de formação criado em 2016 pelo empresário Eduardo Mufarej. Mas não é a visão de quem participa e eu não estava sozinha, estava aí fotografando boa parte da divertida turma de esquerda do curso, nessa foto que fiz na formatura. Sim, tinha turminhas Lula livre e Lula preso, sem discriminação. 

Agora, pós-formatura, posso descrevê-lo com propriedade como um curso de formação para a prática política, de básica à específica, para formar pessoas dispostas a abrir mão de sua vida comum para buscar mudar o mundo em ações extraordinárias por meio da política. Se há lavagem cerebral, foi em bater na tecla que quem entra na política não deve ser em busca de enriquecer ou ter quase três meses de férias pagas por ano, os recessos parlamentares, mas sim para buscar ser um tijolo com poder para construir um país com mais igualdade, diversidade e transparência nas gestões públicas. E que esse desejo deve estar no cerne das intenções de quem se candidata de partidos à esquerda, centro ou direita.

Pelo fato de ter esse belo mote cheio de idealismo sobre igualdade, mas ser tocado por empresários, a esquerda ranzinza torce o nariz. Como sou parte da esquerda namastê, que quer sentar para o diálogo com qualquer um que queira argumentar sem agressividade, me senti acolhida e contemplada no curso e ganhei lugar de fala e opinião tendo participado dele e não achando como ele é de fora.  Em momento algum, em aula ou exercício prático algum, me senti direcionada a ideologia de “lado”, a quaisquer deles. 

Embora tenha uma boa formação acadêmica, aprendi bastante no curso, com preciosas aulas sobre o retrato do eleitorado com Marcia Cavallari, do Ibope, a Tiago Leifert sobre o uso de redes sociais e gestão de crise, sobre ideias fantásticas de urbanismo pelo mundo com Raul Juste Lores, sobre educação, saúde e segurança pública com professores de diversas instituições, como o Insper .

Houve aulas básicas sobre o papel dos Poderes, o que um vereador pode fazer, as atribuições dos prefeitos. Houve aulas sobre Contexto Brasil com Marcos Lisboa  e Organização de Campanha, com o cativante Gabriel Azevedo, um vereador de Belo Horizonte com formação em ciência política e bastante didático para falar dela na prática. Aliás, Gabriel é ex-aluno do RenovaBR, da primeira turma de 2016, que também formou Joenia Wapichana e Tabata Amaral, entre outros eleitos no país.

Nos testes de seleção foi nítido e explícito o direcionamento de perguntas para limar extremistas. Minha leitura semiótica da marca do movimento percebe, aliviada, que o R à esquerda tem seu extremo esquerdo cortado, assim como o R à direita. E tivemos aula sobre tolerância, respeito a diversidade, a importância de candidaturas femininas e até sobre como treinar sua capacidade de empatia, com Mafoane Odara. Infelizmente, não é muito fácil fazer uma seleção à distância e houve falha nessa filtragem de radicais, mas ao menos no meu grupo foi bem administrado.

O curso tinha monitores em grupos de WhatsApp. No meu a monitora era Monica Rosenberg, ex-candidata a deputada estadual pelo Novo em São Paulo e ex-aluna RenovaBR. Gentil e solícita, só vi a paulistana irritada na reta final do curso, quando colegas questionaram por que numa reunião com vários partidos em um hotel em SP, na véspera da formatura, os partidos que mais se aproximavam da esquerda eram Rede e Cidadania.

Monica explicou que todos os partidos foram convidados, mas alguns, como o PT, não se interessaram em explicar suas diretrizes para alunos RenovaBR sem filiação. Aliás, segundo a organização, cerca de 40% dos formados não tem partido. Nesse momento, foi quando um aluno de meu grupo, que em outras vezes também já tinha se mostrado intolerante, soltou um "partidos de esquerda não se interessam pelo Renova porque somos preparados e temos ética".  Foi o que bastou para acirrar os ânimos, apagados pela monitora com a cobrança do espírito de tolerância e respeito à diversidade de ideologias.

No dia da formatura, uma bela festa na Sala São Paulo no sábado passado (7/12), a qual participei vindo de Manaus com passagens que alunos com boa performance puderam pleitear se não pudessem pagar, houve apresentação de cases de alunos do curso mostrando a diversidade de cores, formação acadêmica e nível econômico, mas não de valores éticos e das intenções em prol da melhoria do bem estar social em suas cidades. 

Alunos como Carol Gonçalves, de Toritama (PE), filha de costureiros, que quer entrar na política para “não ver crianças brincando no lixão da cidade e sim em praças, e todas na escola”. Ou como Adriano Silva, filho de empresários e bombeiro voluntário de Joinville (SC), que pretende entrar na política porque, ao ser voluntário, conheceu uma realidade na cidade bem diferente à sua de classe média alta e quer buscar mais oportunidade a todos e o fim de tanta desigualdade. Dá esperança em ver tanta gente idealista com a coragem de abrir mão de tempo de sua vida pessoal em prol da busca da felicidade de todos, na mais pura e bela definição aristotélica do que é política.

Houve uma apresentação emocionante da Orquestra Heliópolis e figuras como os ex-alunos Tabata Amaral e o senador Vinicius Poit foram prestigiar, assim como empresários financiadores do Renova, como Wolf Klabin e Luciano Huck. O curso é pioneiro no país, mantido por empresários e doações de pessoas físicas, similar ao molde do Brand New Congress, que formou a congressista norte-americana Alexandra Ocasio-Cortez.

Não sou empresária, mas fiz questão de doar ao movimento os R$ 200 de inscrição que paguei depois de selecionada. Numa aritmética simples e medianamente otimista, se 60% dos alunos doaram, foram arrecadados 120 mil reais para os próximos cursos. Aos alunos que têm a intenção de se candidatar, a formação do curso foi certamente válida e primordial para quem quer lidar com gestão pública, que não é nem deveria ser lugar para aventureiros despreparados. Mas o difícil para estes vai ser encarar essa eleição com novas regras onde, por exemplo, numa cidade como Manaus onde na última eleição municipal um vereador se elegia com 5 mil votos, agora vai precisar de 25 mil. Para essa conquista certamente vai pesar o conhecimento estratégico, que só se adquire com estudo, e boas políticas de captação de recursos de forma transparente e sem promessas de toma lá da cá.  Desejo boa sorte aos de boas intenções, especialmente aos meus colegas RenovaBR.

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