Uma verdade inconveniente… Mas para quem?

É impossível ignorar a hipocrisia de países que posam de defensores intransigentes da natureza, mas que quando se trata do seu próprio quintal não hesitam em desmatar.

Rodrigo Junqueira
21/08/2019 às 17:35.
Atualizado em 24/03/2022 às 22:11

(Geração de energia por combustão é comum na Alemanha, que abriga quatro das cinco maiores usinas térmicas a carvão da União Europeia )

Na medida em que o novo Presidente do Brasil vai demarcando as diferenças conceituais entre seu governo e os governos passados, a opinião pública passa a revisitar velhos temas de política pública, agora sob novo enfoque.

Uma dessas pautas é, sem dúvida, o meio ambiente, sempre alvo de paixões fervorosas e debates acalorados.

O novo Ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, está no centro das atuais polêmicas. Propondo maiores agilidade e estabilidade na concessão de licenciamento ambiental, desde que isso “não signifique afrouxar as garantias para o meio ambiente“, Salles defende a simplificação do processo de licenciamento e uma maior utilização dos recursos naturais do Brasil em prol de seu povo, com a consequente diminuição da interferência de ONGs ambientalistas nas políticas de Estado. No outro polo, a oposição ao governo Bolsonaro defende a floresta o mais intocada possível e amplo financiamento para projetos de ONGs que compartilhem de seus ideais.

Esse embate atingiu o auge quando recentemente Salles criticou o modelo de gestão do Fundo Amazônia: um fundo de R$ 3 bilhões voltado para projetos ambientais e mantido por Noruega e Alemanha. O Ministro questionou a paridade de forças no centro decisório do fundo, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa). Em tal comitê, o voto das ONGs ambientalistas tem o mesmo peso que o do atual Governo eleito, uma clara distorção, na opinião do Ministro. Além disso, foi constatado que significativa parte dos projetos financiados pelo fundo acaba indo para despesas como pagamento de pessoal das ONGs ambientalistas, viagens e hospedagens, Congressos e outras ações que não são as finalidades pretendidas pelos projetos. Assim, Salles quer elevar a participação do governo e modificar as atuais regras do Fundo, priorizando as políticas do Ministério do Meio Ambiente.

A mudança de orientação do governo brasileiro quanto à gestão do Fundo Amazônia levou Angela Merkel e Erna Solberg a tecerem críticas à política ambientalista de Bolsonaro, chegando a suspender os repasses de Alemanha e Noruega para o fundo. O Presidente respondeu no seu estilo: sugeriu que a Alemanha utilize o dinheiro para reflorestar seu próprio território, mais desmatado que o Brasil, e quanto à Noruega, perguntou se não “era aquele país que mata as baleias”. Uma semana antes, ainda, Bolsonaro havia feito um comentário sob a matriz energética alemã, à base de carvão, extremamente poluente.

Como tem sido comum, surgiram elogios e críticas à reação do Presidente. E aqui é preciso entender que quando se fala que os países desenvolvidos acabaram com suas florestas, a intenção não é justificar um desmatamento desenfreado em nossas terras. Isso, em sã consciência, ninguém pode querer.

No entanto, é impossível ignorar a hipocrisia de países que posam de defensores intransigentes da natureza, mas que quando se trata do seu próprio quintal não hesitam em desmatar, em utilizar matrizes energéticas poluentes ou em explorar, dizimar e contaminar fauna, flora, solo, ar e águas sem escrúpulos, para atender as necessidades de sua população. Ou seja, cobram dos outros aquilo que não fazem.

O caso alemão é emblemático. Esse riquíssimo país europeu move montanhas de dinheiro para impedir que países em desenvolvimento explorem seus recursos naturais, enquanto constrói usinas térmicas de carvão, a forma mais poluente conhecida de se gerar energia elétrica barata. Contraditório, não? Um relatório da organização ambiental WWF chamado Europe’s Dirty 30 (“Os Trinta mais Sujos da Europa”) com os 30 locais que mais emitem CO2 no bloco europeu, indicou que quatro das cinco maiores usinas térmicas a carvão da União Europeia ficam na Alemanha. Diante da cobrança reiterada dessa entidade por mais esforços do país para reduzir as emissões de gases poluentes, a Alemanha pediu até 2038 para dar uma solução final ao caso, enquanto segue construindo novas usinas.

Já a Noruega, segundo o The Guardian, em matéria de 2017, havia aumentado a matança de baleias em 28%. Hoje, a Noruega as caça mais que Japão e Islândia juntos, e é o maior exterminador de baleias do mundo. Confrontado com estes dados o governo norueguês rebate dizendo que restringe a caça apenas a espécies sem risco de extinção. Mas, o importante mesmo, para eles, é manter a Amazônia intocada para proteger os animais daqui… Só que a realidade teima em contrariar o belo discurso. Esta semana chegou aos jornais e blogs brasileiros a denúncia de que a gigante norueguesa Hydro, produtora de alumínio com operações de mineração no Brasil, despejou efluentes tóxicos em um conjunto de nascentes de um rio da Amazônia, o rio Muripi, conforme aponta um laudo divulgado pelo Instituto Evandro Chagas, do Ministério da Saúde.

E antes que se diga que o governo da Noruega não pode responder pelo que uma empresa privada faz, é bom saber que o acionista majoritário e controlador da multinacional produtora de alumínio é o próprio governo da Noruega… Aliás, no ano passado, em meio a críticas do governo norueguês sobre o desmatamento na Amazônia, a BBC Brasil informou que essa empresa devia R$ 17 milhões ao Ibama em multas por contaminação de rios da região, em 2009. Mais um caso de “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Em suma, esses países não possuem autoridade moral nenhuma pra dar pitaco no Brasil. Essa é uma verdade inconveniente para eles. No onipresente tema "Amazônia", por exemplo, não lhes assiste o direito de querer negar algum progresso a 20 milhões de amazônidas. Ajudas na forma de fundo são bem vindas, mas devem respeitar as diretrizes do governo eleito, que representa a maioria dos brasileiros, por mais que discordem dele.

Dito isso, quando o assunto é meio ambiente é prudente que se preze pelo equilíbrio. Nem posições xiitas, nem irresponsabilidade. Nem o radicalismo de manter tudo intocado como se nós, humanos, com nossas necessidades, fôssemos meros empecilhos à manutenção do meio ambiente, nem pôr a perder a preciosíssima natureza em função de projetos desenvolvimentistas mal idealizados.

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