Jovem de 30 anos foi preso injustamente, em caso que teve repercussão nacional. Famosos como Caetano Veloso, Neymar e Preta Gil participaram de campanha para provar sua inocência. Em Parintins, ele exalta a potência da festa
Angelo Nobre anuncia livro e filme. Ambos contarão a história de sua vida (Junio Matos)
"Cria" da terra do Carnaval, o produtor cultural carioca Angelo Nobre participa da folia de seu estado desde os três anos de idade e ficou encantado com o que viu na arena do Bumbódromo, durante o 55. Festival Folclórico de Parintins. "Me surpreendeu bastante a festa. Vocês estão fazendo um trabalho incrível, que não está deixando nada a desejar para o Carnaval da Sapucaí", colocou ele, em entrevista ao acritica.com.
Com os dois bumbás carregando na arena temas voltados à luta e resistência dos povos indígenas e do povo negro, Angelo se sentiu muito grato por ter visto um "boi preto" na arena, cujo enredo acabou o surpreendendo a partir da história de vida particular que ele carrega e que envolve, sobretudo, o racismo atrelado às falhas do sistema judiciário.
O referido caso tomou repercussão a nível nacional: Angelo foi preso injustamente em 2020, por meio de um reconhecimento fotográfico equivocado. "Ocorreu um assalto no bairro Laranjeiras, onde eu moro, e a vítima, por meio de uma foto das redes sociais, falou que eu fui um dos assaltantes no dia do crime", relembra ele.
Angelo ficou preso durante 363 dias sem ter sido o autor do crime, naquilo que ele mesmo caracteriza como uma "aberração jurídica". Por trabalhar com nomes fortes do ramo cultural brasileiro, famosos como Caetano Veloso, Neymar, Preta Gil, Thiago Martins e Djamila Ribeiro repercutiram a injustiça nas redes sociais e fizeram uma campanha para provar a inocência do produtor.
"Eles sabiam e sabem da minha índole e caráter. Eu não fui o primeiro e não fui o último, e a gente tem que lutar para que isso não aconteça mais com ninguém", comenta ele. "Eu tive essa rede de apoio, e quem não tem? Na época, dizia que podia ficar um ou dois anos preso, mas que, no dia que eu saísse, não poderia mais deixar isso acontecer com ninguém".
Provação
A batalha para provar a inocência de Angelo durou quase um ano. "A gente fez milagre no Tribunal de Justiça. No primeiro processo, eram sete desembargadores e perdemos de três a zero. Eu falei: 'Meu Deus, porque está acontecendo isso comigo?'", relembra o produtor.
Alguma coisa dentro dele, porém o dizia que ele não estava enfrentando tudo aquilo à toa. "Sabia que ia sair [da prisão]. No segundo processo, empatamos de três a três. Com isso, o último desembargador sentiu a pressão ali e pediu vistas do processo. Dois meses depois, ele deu voto a favor da minha soltura", pontua ele sobre o momento em que ganhou liberdade, fato que aconteceu em 2021.
Angelo aponta que, entre as sensações que teve enquanto esteve preso, a mais intensa delas foi a guerra psicológica que sentiu. "Criei métodos lá dentro para me adequar e não cair em depressão, crise de ansiedade. Eu, por exemplo, não olhava foto da minha filha, não lia carta. Criei métodos assim para não me abalar psicologicamente, declarou.
Escrever e ajudar
Um dos seus refúgios na prisão eram a leitura e a escrita. A última, inclusive, é o que motivou a escrever seu livro autobiográfico. Ainda sem nome definido, o livro está previsto para ser lançado no próximo ano.
"Não tenho problema nenhum em contar minha história, vou contá-la pelo resto da vida. Porque, quanto mais se fala, mais a gente se cura", pondera. Outra alternativa para ajudar a si mesmo e às outras pessoas é a criação da ONG Nobre, para ajudar indivíduos em situações similares.
"Tô criando a ONG agora, dando uma rede de apoio a outros jovens que passam por isso. Queremos ajudar aos presos não só com apoio jurídico e psicológico, mas também às famílias deles, que às vezes não tem nenhum entendimento sobre leis. Tento transmitir minha rede de apoio para outros", pontua ele.
Nos cinemas
Além do livro e da ONG, um filme sobre a sua história de vida também está em processo de produção. A obra vai se chamar "Inocente" e será dirigida por Lázaro Ramos, Benedita Casé e João Januário. o filme está previsto para ser lançado em 2023.
"É sobre minha vida, mas vai ter um cunho social e também dar esse entendimento do porquê acontece esse reconhecimento fotográfico, dos erros da polícia em relação a esses casos. Já estão sancionando uma lei em Brasília [sobre isso]. Fui até chamado para dar um depoimento no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). São as voltas que o mundo dá", reflete.
Angelo quer que o ator Marcello Mello Jr. o interprete nos cinemas. "Marcello, pra mim, é um dos maiores atores do Brasil. Falei para o Lázaro que o elenco eu vou ter que escolher [risos]. Quero meus amigos trabalhando no meu filme. Vai ser incrível ter meus amigos interpretando minha história. Será uma realização maravilhosa", celebra.
Amigo pessoal de Angelo, Marcello foi um dos famosos que mais se movimentaram para ajudar ao produtor e sua família. "Ele vai fazer com muita propriedade de causa. Foi um cara que lutou ali, ajudou minha mãe, falava com minha mãe todo dia, ajudava, visitava todo mundo. Não foi só uma ajuda de postar no Instagram. Todo dia agradeço a Deus por ter essas pessoas na minha vida", declara.
E, justamente pelo brilho da mobilização que lutou para provar sua inocência e pelo brilho de suas relações fraternas, Nobre declara ter tido mesmo uma identificação maior com o Boi Caprichoso. "Nada contra o contrário [risos]. O boi que fala do amor, do coração ali na testa. Mas o Caprichoso me representou até por conta de tudo o que vivi. Por ser um boi preto, iluminado e com a estrela na testa".