Especialistas comentam sobre a violência em Manaus e a presença de jovens em locais de crimes
Fabrício da Silva Cordeiro, 31, foi morto a tiros na noite do dia 15 de julho, na rua Sá Peixoto, bairro Educandos, zona Sul de Manaus (Foto: Arlesson Sicsú/Freelancer)
Nas ruas, becos, igarapés, ônibus. Não tem hora e nem lugar para o crime acontecer em Manaus. Os homicídios acontecem à luz do dia, independente se há outras pessoas inocentes e, principalmente, crianças. A capital registrou mais de 15 homicídios no último fim de semana, além de carregar o triste título de ser a 4ª cidade mais violenta do Brasil.
Com tamanha violência, Manaus passa a normalizar a violência e quem deveria ser protegido já enxerga o homicídio e o crime como algo banal.
Em 2021, o número de homicídios na capital foi de 1.060. Os seis primeiros meses de 2022 já é maior que mesmo período do ano passado. Foram 480 assassinatos diante de 471 ocorridos de janeiro a junho do ano anterior.
Dentre tantas estatísticas tristes, no dia 15 de julho, um jovem foi morto a tiros por volta das 18h, na rua Sá Peixoto, bairro Educandos, zona Sul de Manaus. No local, além de familiares e curiosos, as crianças e adolescentes são sempre as primeiras a chegar e logo visualiza o cadáver, o projétil e a cena do crime.
O carro tumba do Instituto Médico Legal (IML) remove o corpo, todos se dispersam e a criançada volta a brincar como se nada tivesse acontecido. O cenário do crime, da morte e da violência não é mais amedrontador ou curioso.
O advogado e sociólogo Carlos Santiago chama o avanço da violência em Manaus de “guerra silenciosa”, onde os mais ricos se escondem e os menos favorecidos apenas aceitam.
“Os indicadores de violência no estado do Amazonas crescem sem controle ano após ano. Não há políticas públicas para conter essa guerra entre as facções que cometem crimes bárbaros em áreas urbanas, na frente de quem quer que seja. Parece que Manaus vive uma guerra silenciosa, onde o rico se esconde em seus condomínios e os menos favorecidos convivem com o resultado da omissão do governo”, explicou.
Em noticiários, os crimes envolvendo crianças e mulheres também é assunto batido. Diariamente a capital registra crimes de maus-tratos, estupros e feminicídio.
Santiago ainda ressalta que é inevitável não chamá-los de vítimas da sociedade ou vítimas de quem deveria trabalhar para dar segurança.
Presente nas cenas de crime diariamente, o repórter fotográfico Junio Matos relembra um dos momentos marcantes nessa rotina de noticiário policial. Ele chegou a um homicídio no bairro da Paz. Além do corpo e da triste história de um jovem de 19 anos morto em uma sarjeta, o registro com crianças ao lado do cadáver foi o que mais chamou atenção.
(Junio Matos)
“Cubro polícia há 5 anos, mas lembro de um plantão na ronda policial que fui cobrir um homicídio de um jovem de 19 anos, morto a tiros enquanto soltava pipa na rua de sua casa. Assim que cheguei lá, me deparei com a seguinte cena: umas cinco crianças estavam sentadas, no meio fio, há menos de dois metros do cadáver. Baixei a câmera e fiquei vendo aquela cena. As crianças conversavam e riam entre si, como se não tivesse um homem morto ao lado delas. Na minha câmera, o cadáver se tornou um coadjuvante da cena, pois as protagonistas, sem dúvida, eram as crianças ali”, relatou.
Para a psicologia, a superexposição da violência é algo prejudicial para pessoas de qualquer idade, e para crianças é algo mais grave ainda. O linguista e psicólogo Sergio Freire, afirma ainda que essas crianças tendem a crescer sem empatia ou laços sociais.
O especialista em segurança pública Allison Carvalho está nas ruas diariamente e, além disso, realiza palestras dentro das escolas. Para ele, todo esse problema é estrutural e não apenas uma ausência da segurança.
“Temos um problema sistêmico, um ciclo vicioso. Somos uma cidade oriunda de invasões que são controladas por facções, então quando o Estado falha de forma estrutural, em educação, emprego, saneamento, o crime organizado se instala e toda a sociedade perde. Mais que isso, uma geração se perde. É um efeito colateral a longo prazo”, explicou.
Mais que prender para conter a criminalidade, Carvalho ainda relata que a polícia mesmo sendo odiada na periferia, ela ainda contribui em palestras dentro das escolas de maneira educativa.
“Como Polícia Militar sei que ao entrar nessas comunidades, jovens já tem raiva da polícia por natureza, por que acabamos sendo culpados por tudo. Hoje, eu me disponho a realizar palestras nas escolas para falar sobre insurgência criminal, que é o efeito de ser dominado frente a essa realidade de crimes e violência”, concluiu.